para o Paraná Online
Como funcionou a seleção dos poemas escolhidos? Houve algum critério em específico?
Por que escolher Bukowski
novamente?
Porque depois de concluir o “Essa
loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém” em 2002 (o
livro foi publicado em 2005), a primeira antologia poética onde selecionei e
traduzi poemas do Charles Bukowski, houve o lançamento de diversas coletâneas
de poemas do Bukowski no mercado americano. E conforme lia esses livros, ficava
ainda mais entusiasmado pela incrível qualidade do material que estava sendo
publicado. Além destes livros póstumos, havia livros do Buk (publicados em
vida) que eu não havia utilizado na seleção de material pro “Essa loucura roubada”. De
forma que quando percebi, tinha na cabeça um livro pronto pra ser traduzido e
montado, o “Amor é tudo que nós dissemos que não era”.
Como você "descobriu" Bukowski?
Comecei a ler Bukowski pela prosa, por
seus romances e livros de contos, onde volta e meia havia a informação na
biografia do autor dizendo que ele havia publicado dezenas de livros de poesia.
Mas na época (fim dos 80 e início dos 90...) não havia nenhuma tradução em
português desses livros. De forma que sempre tive dúvidas de que isso fosse
verdade... até que em 2000, quando morei um tempo em Londres, tive a prova
quando mergulhei naquelas fantásticas livrarias e encontrei diversos livros de
poemas do velho. Na época, eu lavava
pratos num restaurante enquanto estudava o idioma. E fora a jornada de trabalho
cansativa (das 9:00 am às 11:00 pm), tinha um chefe extremamente estúpido que
vivia na minha cola e na de outros funcionários estrangeiros. De forma que quando
comecei a ler a poesia do Bukowki neste cenário, a sua poesia fez o maior
sentido pra mim, pois naquela época eu dividia junto com os outros
trabalhadores ilegais do restaurante uma realidade que eu percebi semelhante a
de vários personagens fodidos dos poemas do Buk. Na prática, tinha que aturar
um chefe gritando na minha orelha direto enquanto eu passava horas e horas lavando
pratos e panelas, e contando os centavos num trabalho sufocante. E então foi
inevitável pra mim fazer a associação entre estas duas realidades, a do Henry
Chinaski pulando de subemprego em subemprego em Los Angeles e a minha, de
imigrante também num subemprego. A poesia do Bukowski naquele cenário
descortinou pra mim a verdade.
O que representa esse novo projeto?
Este livro representa um desenvolvimento
do meu trabalho de tradução de poesia, e naturalmente um aprofundamento meu na
lírica doída do velho Buk.
Como funcionou a seleção dos poemas escolhidos? Houve algum critério em específico?
Houve sobretudo o critério de apresentar
um panorama significativo dos livros inéditos de poesia do Bukowski em
português, por meio de poemas representativos de seus diversos temas (tema do
amor, tema literário, tema existencial), semelhante ao critério que estabeleci
para o “Essa loucura roubada”. É claro que em paralelo a este critério, passei
a consultar a crescente receptividade dos poemas do Buk junto aos leitores de
língua inglesa, e os diversos diálogos de sua poesia com a arte cinematográfica
(através de vários poemas do Bukowski que colaboraram para roteiros de cinema)
a fim de tornar mais ampla a seleção dos poemas.
Algum texto apresentou alguma forma de desafio na tradução? Qual trecho?
Vários desafios surgiram ao longo do
trabalho, pois em tradução, ao contrário do que os teóricos da tradução pregam
insistentemente, cada caso é um caso e deve ser estudado em separado. Esta é
uma simples verdade que apesar de ser tão óbvia alguns professores esquecem de
considerar...
O poema "então você quer ser escritor?" pode ser tido como um guia
para os novatos?
Certamente, ao lado de “como ser um
grande escritor” (traduzido no “Essa loucura roubada”), o poema “então você quer ser
escritor”, incluído em “Amor é tudo que nós dissemos que não era” pode ser
visto como um antimanual de instruções para os iniciantes. Há um realismo
desconcertante e pertinente em versos como: “a não ser que saia de/ sua alma
como um foguete,/ a não ser que ficar parado te/ leve à loucura ou/ ao suicídio
ou assassinato,/ não faça.”
Levando em conta que você trabalha neste livro desde 2008, podemos dizer que
a tradução é um processo de maturação?
Com certeza. O livro passou por diversas
roupagens até adquirir a forma atual.
Além do Bukowski você também já traduziu o Cohen, qual
a diferença fundamental entre o processo de tradução entre eles?
Embora elas (as traduções de Leonard Cohen e as de Bukowski)
se comuniquem dentro de mim de uma estranha maneira, às vezes até mesmo ensaiando
a criação de um terceiro braço pra minha poética (pois também escrevo poemas e
o exercício de tradução utiliza muito do que eu considero e pratico em minha poesia),
também percebo diferenças entre as poéticas destes autores e isso é muito
frutífero, pois me faz sempre pensar e considerar a poesia não só para aquele
recorte de tempo que os livros delimitam, mas também considerar o que pode ou mesmo deve ser a poesia para os nossos dias e, sobretudo, para as nossas
vidas.
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