sábado, 30 de março de 2013


Canção


A menina nua em prantos
está pensando em meu nome
volvendo e revolvendo
meu nome em bronze
com os mil dedos
de seu corpo
untando seus ombros
com a fragrância lembrada
de minha pele

Oh sou o general
de sua história
conduzindo cavalos majestosos
pelos campos
vestindo trajes de ouro
com o vento em meu torso
o sol na barriga

Possam os pássaros suaves
suaves como uma estória para seus olhos
proteger seu rosto
de meus inimigos
e os pássaros impuros
cujas asas afiadas
foram forjadas em mares metálicos
guardem seu quarto
de meus assassinos

E que a noite a trate com cuidado
as estrelas altas sustentem a palidez
de sua pele descoberta

E possa meu nome em bronze
sempre alcançar seus mil dedos
iluminar-se com suas lágrimas
até que eu esteja fixado como uma galáxia
e memorizado
em seus céus delicados e secretos.

poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
do livro “ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR” (7 Letras)



quinta-feira, 28 de março de 2013










SEM CHANCE DE AJUDA

há um lugar no coração que
nunca será preenchido

um espaço

e mesmo nos
melhores momentos
e
nos melhores
tempos

nós saberemos

nós saberemos
mais que
nunca

há um lugar no coração que
nunca será preenchido

e

nós iremos esperar
e
esperar

nesse
lugar.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski

do livro
essa loucura roubada
que não desejo a ninguém
a não ser a mim mesmo
amém





terça-feira, 26 de março de 2013


vênus de velázquez
vênus que vem em luas
em nem
            pétalas de nuvens

vênus de rubens
vênus de uma beleza
a mais digna
que se possa pensar ou pretender

vênus de dalí
vênus que não guarda
esconder

uma a uma
vênus só veste
o que se fez sentir

um dia ainda, senhor
há de ser vênus
o que se deixa ver
em tudo que eu vivi

Fernando Koproski
do livro “Tudo que não sei sobre o amor”
http://www.livrariascuritiba.com.br/tudo-que-nao-sei-sobre-o-amor-travessa,product,LV181720,3394.aspx 


domingo, 24 de março de 2013


Azul é a primeira luz do amanhecer. É a cor que começa o dia. E também a cor que o termina. Assim, nesse tempo ou espaço de seu viver as cores nascem e morrem azuis.
Sim, azul é a cor de um poema. A cor, forma, duração, densidade, peso, dimensão, idade, função e sentido de um poema. Tudo isso e mais alguma coisa que os sistemas de medidas não aferem.
Mesmo assim, para muitos que se ocupam de estudar a anatomia de um poema, ele não é considerado. Por não ser facilmente detectado nas chapas de raio x, o azul é invariavelmente desprezado. E um desperdício de azul é indesculpável, é como deixar com sede os sentidos apenas por mesquinhez. Mas que não se condene a crítica, ela quase que não tem culpa. Em seus estudos de taxidermia, ela se habituou a dissecar asas, tentando inutilmente entender os procedimentos do vôo.
    Porque o azul de um poema é como um sistema propulsor de vôo para os pássaros e borboletas.

Fernando Koproski
do livro “Pétalas, pálpebras e pressas”
http://www.livrariascuritiba.com.br/petalas-palpebras-e-pressas-aut-paranaenses,product,LV220050,3394.aspx


sábado, 23 de março de 2013

MUSA EM DESUSO


nenhuma musa mais me usa
este seu mar não afoga mais
já não será imortal às minhas custas
de indecisa já chega a paz

o jeito que você passa
o jeito que veste a blusa
não irá me convencer
adeus sonetos monumentais
e tudo mais que em quartetos me acusa

com a solidão eu já posso
esta insone ilusão eu já faço adormecer
nenhum poeta a postos será
mais testemunha das suas escusas
e nem do seu dom de esquecer

poema: Fernando Koproski e Alexandre França
música: Alexandre França, gravada no disco “A solidão não mata, dá a ideia”





sexta-feira, 8 de março de 2013


POEMA DE DIA DAS MULHERES

queria um poema que fosse como essas mulheres: um poema que andasse, passasse como essas mulheres passam. um poema que olhasse, sorrisse, ignorasse, cortasse, chovesse, queimasse, distraísse, silenciasse, ficasse como essas mulheres ficam. um poema que como elas hesitasse toda sua beleza decidida. mas como o poema para as páginas, a forma e a força com que ele não lhes pertence, as mulheres. pois só assim elas podem ser – como os poemas que só são poemas pelo buraco que deixam em quem os escreve, pelos espaços, distâncias e impermanências imperecíveis que com delicadeza nos permitem ser abatidos e lembrados indignos de suavidade entre um poema e outro. mas talvez eu apenas esteja errado, talvez as mulheres já sejam poemas. nós é que não as reconhecemos como tal. daí o motivo de todos os nossos problemas, da nossa angústia incontornável, da inutilidade de nossa solidão, estupidez de nossa objetividade, insuperável covardia, inaptidão à completude e exata insinceridade. pois as mulheres já existem como poemas, pensam como poemas, passam como poemas. assim e apenas assim desejam ser escritas ou percebidas – como poemas.

nós, uma prosa apenas.

FERNANDO KOPROSKI
do livro “Nunca seremos tão felizes como agora”
http://www.livrariascuritiba.com.br/nunca-seremos-tao-felizes-como-agora-autores,product,LV244140,3393.aspx

quarta-feira, 6 de março de 2013


NÃO SOU KAFKA MAS FUI TROCADO POR UMA BARATA

Desde que nosso cachorro ficou doente há uns três meses, certas mudanças aconteceram em casa. Milo – pronuncia-se mailon, tal qual o cachorro do Máskara, pois é uma homenagem de sua dona a este personagem –, teve um câncer no fígado. Sim, um câncer que foi retirado em cirurgia e o motivo pelo qual nosso cão se mudou para dentro de casa, passando a dormir numa confortável caminha ao lado de nossa cama.
A princípio, esta simples relocação de dormitório da mascote não significaria uma maior mudança em casa. Acontece que dentro de casa, havia as nossas gatas... Não que houvesse qualquer tipo de desavença entre eles. Pelo contrário, desde pequena a Afrodite (a nossa gata primogênita) já havia estabelecido as regras da boa convivência no cenário doméstico. Após deixar um talho permanente na orelha esquerda de Milo, este nunca mais se meteu a besta com ela.
O problema foi o ciúme, sempre o ciúme, este corpo estranho que inexplicável e instintivamente se aloja dentro de nós e passar a crescer em silêncio até o momento em que se torna intolerável sob a pele e passa a dar o ar de sua des-graça! Enfim, foi o ciúme que surgiu e se entranhou em Afrodite.
Dia após dia, ela passou a se afastar de nossa convivência, começando a dormir apenas em sua caminha na garagem. Antes, ela sempre dormia conosco. A qualquer hora que fosse era certo, bastava um de nós chegar em casa cansado e se atirar na cama que lá vinha aquele periscópio peludo disfarçado de rabo de gato rodeando a nossa cama. Isso já fazia parte da rotina acolhedora do lar: era se deitar na cama e observar os movimentos retilíneos uniformemente variados daquele periscópio levantado e perpendicular ao piso se aproximando de nossa cama, circundando e ambicionando nosso leito.
Sim, Afrodite adorava dormir sobre meu peito. Logo que alcançava os lençóis, ela escalava minha camiseta e se aninhava sobre ele, iniciando uma sequência interminável de ronrons. Foi assim até que o Milo se estabelecesse no meio de seu caminho. Desde então, o ciúme se apossou de nossa gata e indelevelmente comprometeu o sagrado equilíbrio do ambiente doméstico.
Mas esta noite, tive uma insônia e entre as coisas que a gente faz quando fica meio zumbi insone entre um cômodo e outro da casa, encontrei Afrodite. E então a olhei. E então a peguei nos braços. E então a levei pra nossa cama. Sentiram o caráter reconciliatório da última frase? E acreditem, meus amigos, apesar de todo aquele ciúme acumulado nos últimos meses, Afrodite escalou meu peito, lentamente amaciou meu tórax com suas patinhas suaves e por fim se aninhou neste pequeno e humilde espaço em cima do coração de um homem.
Estávamos bem. Entre um ronron e outro, já estava quase convencendo Afrodite a refletir sobre a inutilidade e o exagero de seu ciúme nos últimos tempos quando eis que escuto: um gemido... Era a nossa outra gata, a Angelina anunciando através de miados estridentes que havia caçado algo, provavelmente um inseto, e que agora o trazia como troféu para casa. Na hora, Afrodite se levantou, olhou pra mim e logo depois pra Angelina e então pra Manuela, a nossa terceira gata.
Gostaria de dizer nesse momento que Afrodite se alongou em sua indecisão, que ela pesou os prós e contras, e que pelo menos por um instante considerou o profundo afeto que tinha por mim enquanto me olhava fixamente e sofria em silêncio por ter que se despedir assim tão prematuramente de meu peito... mas não, nada disso aconteceu.
Afrodite saltou da cama na hora e sem hesitação alguma, sem nenhum traço de provável futuro arrependimento, simplesmente assim, do nada, ela me deixou na cama: perplexo e sozinho com esta história que agora conto pra vocês.
Sim, meus amigos, finalmente chegou o dia em que me vi diante dessa triste constatação: não sou Kafka mas fui trocado por uma barata...

Fernando Koproski



terça-feira, 5 de março de 2013


AMOR QUE VERÃO

se o amor sempre exige
mais do que você precisa
se o amor não é você
beijar o chão que ela pisa

se o amor não é você
pisar o chão que ela beija
se o amor são os miseráveis
dando dinheiro pra igreja

se o amor não é amar
uma mulher abrasiva
que o que te faz em brasa
ela te faz em brisa

se o amor não é aquilo
tudo que você espera
se o amor não é estar
entre as pernas da primavera

se o amor não é um beijo
de deus na sua testa
se o amor não é o sonho
que te apressa

se o amor ama amar o amor
ou isso é só uma peça
o que será de meu ódio
pra começo de conversa?

Fernando Koproski

ps. este poema recitei no DVD ao vivo do músico Carlos Machado a ser lançado em breve...


sexta-feira, 1 de março de 2013


LADY MACBETH

todas as vezes em que nos separamos
lady macbeth nunca olhou para trás

todas as vezes em que nos encontramos
lady macbeth nunca olhou para dentro de mim

ela não percebia
que acendia nas páginas
todas as beatrizes negadas a dante

que amanhecia
as borboletas que guardei
com cuidado em minhas pálpebras
durante as canções nevadas

ela passava pelas tardes
com seus passos de lava derretida
atraindo minhas mariposas
com seus olhares de magma
fazendo cada uma
daquelas borboletas guardadas beijar
com toda sua fragilidade
sua boca que me gritava guitarras

ela passava pelas tardes
enquanto borboletas e mariposas
abrasadas
colidiam a seus pés

eu notava que as asas
eram míopes
a seus gestos mais simples
de incinerar cerejas

todos me avisaram
que as asas eram surdas a seus cabelos
que os seus cabelos em seus movimentos mais sutis
sangravam chamas das joaninhas

eu percebi
mas mesmo assim
não as impedia de se aproximarem de lady macbeth

pois lady macbeth achava ingênuas
minhas fragilidades
ela diria certamente inconvenientes tais delicadezas
naqueles fins de tarde

quando o fogo
era uma forma de afago
antes de afogar

assim caminhávamos nós
eu, minhas estúpidas borboletas
e aquelas ingênuas mariposas

lady macbeth passando pela tarde
vendo um mundo sem chances entre seus cabelos
enquanto de relance nos fazia
afogar em magma e morangos

certa de que não poderia haver inverno
que nos estiolasse mais
que a verdade

todas as vezes em que nos separamos
lady macbeth nunca olhou para trás

todas as vezes em que nos encontramos
lady macbeth nunca olhou para dentro de mim

Fernando Koproski
do livro “NUNCA SEREMOS TÃO FELIZES COMO AGORA”

http://www.livrariascuritiba.com.br/nunca-seremos-tao-felizes-como-agora-autores,product,LV244140,3393.aspx