Como tornar-se azul em Curitiba
Como dizer o que essa cidade me significa, escrever o que me torna azul em Curitiba? Seria fácil falar do descaso que há com as diversas formas de autenticidade chamadas amor, beleza ou verdade no que nos procura a poesia nessa cidade.
Seria fácil falar dos céus cinzas que me comprimem dia após dia, espécie de eterno e imperecível teto baixo a céu aberto que me inquieta e aquieta, pois às vezes parece ser o único a entender esse dicionário de distâncias e faltas que se chama tudo o que sinto.
Seria fácil falar das noites, do quanto aquela nada inédita mas ainda insubstituível premissa de morrer de vodka e de versos seria melhor e mais ampla do que aquela outra forma nada estratégica, a de morrer de tédio.
Sim, seria fácil falar que a ausência de mar seja provavelmente a principal responsável por nossa indiferença e individualismo acentuado, talvez a principal suspeita por nossa solidariedade cariada. Sim, seria fácil usar como álibi a ausência de mar dessa cidade como forma de justificar a ausência de céu em nosso mar interior.
Seria bem fácil usar a cômoda e habitual rispidez cinza disfarçada de ausência de mar como testemunha de acusação e de defesa para as usuais ulcerações que aqui acontecem no azul de dentro da gente.
Igualmente, seria fácil falar que apenas essa combinação, ou melhor, viciada simbiose entre a falta de mar e o já esperado excesso de céus cinzas, é quem nos dê a exata medida do que podem os azuis nessa cidade.
Porque há dias em que eles são, mais do que em qualquer outro lugar. Há dias em que esses azuis vêm e permanecem, apesar do desbotamento de alguns olhares, da indisfarçável chuva fina que move a inveja de alguns gestos e da ferrugem que se forma sutil sob o sorriso dos medíocres.
Porque os azuis de Curitiba pertencem às pessoas e não aos lugares, esses azuis permanecem nos poemas apesar de toda aquela timidez e humildade que é tanto impulso quanto espécie de doença crônica em nossos poetas mais autênticos.
Sim, seria fácil falar do azul que Leminski viu cheio de sede dos olhos de Helena, azul dessas manhãs que ninguém percebeu, mas era o mesmo azul das noites bebidas de um só trago naquela interminável rodada de noites de um certo Marcos Prado. Azuis que nos deixam de saideira páginas e mais páginas de tudo o que ainda não nos aprendeu a amar nessa cidade.
Sim, isso tudo seria fácil falar. Mas não agora. Curitiba apenas senta à minha frente e fica. Não precisa dizer mais nada. Um só olhar nesse seu olhar, e meus azuis mais precários se reconhecem. Agora sim, pode falar baixinho, que sou todo ouvidos. De silêncio em silêncio, quem sabe, a gente ainda significa.
Fernando Koproski
do livro Como tornar-se azul em curitiba
Como dizer o que essa cidade me significa, escrever o que me torna azul em Curitiba? Seria fácil falar do descaso que há com as diversas formas de autenticidade chamadas amor, beleza ou verdade no que nos procura a poesia nessa cidade.
Seria fácil falar dos céus cinzas que me comprimem dia após dia, espécie de eterno e imperecível teto baixo a céu aberto que me inquieta e aquieta, pois às vezes parece ser o único a entender esse dicionário de distâncias e faltas que se chama tudo o que sinto.
Seria fácil falar das noites, do quanto aquela nada inédita mas ainda insubstituível premissa de morrer de vodka e de versos seria melhor e mais ampla do que aquela outra forma nada estratégica, a de morrer de tédio.
Sim, seria fácil falar que a ausência de mar seja provavelmente a principal responsável por nossa indiferença e individualismo acentuado, talvez a principal suspeita por nossa solidariedade cariada. Sim, seria fácil usar como álibi a ausência de mar dessa cidade como forma de justificar a ausência de céu em nosso mar interior.
Seria bem fácil usar a cômoda e habitual rispidez cinza disfarçada de ausência de mar como testemunha de acusação e de defesa para as usuais ulcerações que aqui acontecem no azul de dentro da gente.
Igualmente, seria fácil falar que apenas essa combinação, ou melhor, viciada simbiose entre a falta de mar e o já esperado excesso de céus cinzas, é quem nos dê a exata medida do que podem os azuis nessa cidade.
Porque há dias em que eles são, mais do que em qualquer outro lugar. Há dias em que esses azuis vêm e permanecem, apesar do desbotamento de alguns olhares, da indisfarçável chuva fina que move a inveja de alguns gestos e da ferrugem que se forma sutil sob o sorriso dos medíocres.
Porque os azuis de Curitiba pertencem às pessoas e não aos lugares, esses azuis permanecem nos poemas apesar de toda aquela timidez e humildade que é tanto impulso quanto espécie de doença crônica em nossos poetas mais autênticos.
Sim, seria fácil falar do azul que Leminski viu cheio de sede dos olhos de Helena, azul dessas manhãs que ninguém percebeu, mas era o mesmo azul das noites bebidas de um só trago naquela interminável rodada de noites de um certo Marcos Prado. Azuis que nos deixam de saideira páginas e mais páginas de tudo o que ainda não nos aprendeu a amar nessa cidade.
Sim, isso tudo seria fácil falar. Mas não agora. Curitiba apenas senta à minha frente e fica. Não precisa dizer mais nada. Um só olhar nesse seu olhar, e meus azuis mais precários se reconhecem. Agora sim, pode falar baixinho, que sou todo ouvidos. De silêncio em silêncio, quem sabe, a gente ainda significa.
Fernando Koproski
do livro Como tornar-se azul em curitiba
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