quinta-feira, 25 de abril de 2013


CORCUNDA

momentos de agonia e momentos de glória
marcham sobre o telhado.

o gato passa
parecendo saber tudo.

minha sorte foi melhor, eu acho,
que a sorte dos gladíolos cortados,
embora não tenha certeza.

eu fui amado por muitas mulheres,
e para uma vida corcunda,
isso é uma sorte.

tantos dedos adentrando meus cabelos
tantos abraços apertados
tantos sapatos atirados sem cuidado no tapete do meu
quarto.

tantos corações em busca
agora tão nítidos em minha memória que
caminharei para a morte,
lembrando.

fui tratado melhor do que deveria
ser –
não pela vida em geral
nem pelo mecanismo das coisas
mas pelas mulheres.

mas houve mulheres
que me deixaram
plantado no quarto sozinho
encurvado –
com as mãos no saco –
pensando
por quê por quê por quê por quê por quê por quê?

mulheres vão para homens que são porcos
mulheres vão para homens com almas mortas
mulheres vão para homens que trepam pessimamente
mulheres vão para sombras de homens
mulheres vão
vão
porque precisam ir
pela ordem das
coisas.

as mulheres sabem mais
mas muitas vezes escolhem na
confusão e desordem.

elas podem curar com seu toque
elas podem matar o que tocam e
eu estou morrendo
mas não estou morto
ainda.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski

do livro
essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras)










terça-feira, 23 de abril de 2013


QUANDO DESPI SEU CORPO

Quando despi seu corpo
imaginei que as sombras desabaram ilusoriamente,
incitando memórias de rimas perfeitas.
Imaginei que pudesse guardar a beleza
como uma bênção e que a sua pele quase negra
respondesse à prece.
Imaginei que entendesse seu rosto
por o ter visto retratado duas vezes
ou uma centena de vezes, ou por o ter beijado
quando ele foi esculpido na rocha.

Com um suspiro apenas, um gesto distraído,
você despiu sombras
com mais destreza do que eu pudesse suportar,
e as proporções reais e violentas de seu corpo
tornaram obsoletos os velhos tratados de excelência,
medidas e poemas,
e gritaram, investidas de um só desafio de beleza
íntima,
o qual não pode ser interpretado ou cantado:
precisa ser encontrado.

poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
da antologia poética de Leonard Cohen:
ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR (7 LETRAS)
http://www.livrariascuritiba.com.br/atras-das-linhas-inimigas-de-meu-amor-aut-parana,product,LV220048,3406.aspx

sexta-feira, 12 de abril de 2013


A HISTÓRIA DE UM FILHO DA PUTA DURÃO

uma noite ele apareceu na porta molhado magro espancado e
aterrorizado
um gato branco vesgo e sem rabo
pus ele pra dentro e o alimentei e ele ficou
cresceu até pegar confiança em mim até que um amigo entrando na garagem
passou com o carro por cima dele
levei o que sobrou para o veterinário que disse, “sem muita
esperança... dê essas pílulas para ele... sua coluna
está esmagada, mas já foi esmagada antes e de alguma maneira
emendou, se ele viver nunca mais andará, veja
essas radiografias, ele foi baleado, olhe aqui, as balas
ainda estão lá... e mais, ele já teve um rabo um dia, alguém
o cortou fora...”

levei o gato de volta, era um verão bem quente, um dos mais
quentes das últimas décadas, pus ele no piso do
banheiro, dei água e pílulas para ele, ele não comia, ele
não tocava na água, mergulhei meu dedo nela
e molhei sua boca e falei com ele, eu não saí
dali, investi um bom tempo no banheiro e conversava com
ele e tocava nele com cuidado ao que ele me olhava
com aqueles olhos azul-claros vesgos e conforme os dias
passavam ele fez seu primeiro movimento
se arrastou com as patas dianteiras
(as traseiras não funcionavam)
ele conseguiu chegar à caixa de areia
se arrastou pra dentro,
foi como se o clarim de uma possível vitória
soprasse naquele banheiro e pela cidade afora, eu
me identifiquei com aquele gato – eu me dei mal, não tão
mal assim mas mal o bastante...

uma manhã ele se levantou, ficou de pé, caiu pra trás e
apenas olhou pra mim.

“você consegue,” eu disse pra ele.

ele continuou tentando, se levantando e caindo, finalmente
deu alguns passos, ele parecia um bêbado, as
patas traseiras não queriam funcionar mesmo e ele caiu de novo, descansou,

aí se levantou.

o resto você sabe: hoje ele está melhor do que nunca, vesgo,
quase sem dente, mas o encanto está de volta, e aquele olhar
nunca abandonou seus olhos...

e hoje às vezes sou entrevistado, eles querem saber sobre
a vida e a literatura e eu fico bêbado e levanto meu gato vesgo,
baleado, atropelado, de rabo arrancado e falo, “olha, olha
isso!”

mas eles não entendem, eles dizem algo do tipo, “você
disse que foi influenciado por Céline?”

“não,” eu levanto o gato, “pelo que acontece, por
coisas como essa, por isso, por isso!”

eu chacoalho o gato, levanto ele sob
a luz esfumaçada e bêbada, ele está tranquilo ele sabe...

é aí que as entrevistas acabam
embora eu fique com orgulho às vezes quando vejo as fotos
depois e lá estou eu e lá está o gato e nós somos
fotografados juntos.

ele também sabe que isso é besteira mas ajuda de alguma maneira.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski
da antologia poética AMOR É TUDO QUE NÓS DISSEMOS QUE NÃO ERA (7 Letras)

quarta-feira, 10 de abril de 2013


PARA WILF E SEU LAR

Quando criança os Cristãos me contaram
como alfinetamos Jesus
na madeira como uma linda borboleta,
e eu chorei diante de pinturas do Calvário
de chagas de veludo
e de delicados pés torcidos.

Mas ele não se sustentaria suave por muito tempo,
seus oponentes tão orgulhosos de seus clarins,
curvando as flores com sua mácula prateada,
e quando defrontei-me com a Arca para a contagem,
estremecendo debaixo dos óleos ardentes,
os campos da carne em movimento se tornaram amargos
e eu beijei meus nobres mestres,
preveni meus irmãos menores.

Entre os jovens e promissores
de grandes nações, os inocentes
do desejo entorpecido e da brilhante cruzada,
ali entre as cambalhotas e as guerras de castanha
eu poderia cantar minhas lágrimas pagãs,
adorar o santo distante
que alimentou com seu braço as moscas,
e lamentou pela formiga esmagada
desprezando as razões do calcanhar.

A ira e as lágrimas ficaram no caminho inicial.
Hoje cada qual em sua colina sagrada
os dias de dor e de fulgor estão quase no fim.
    Então vamos comparar mitologias.
Eu aprimorei a minha mentira principal
de cruzes sublimes e espinhos envenenados
e aprendi a forma com que meus pais o pregaram
feito um morcego sobre o portal
para receber o outono e os corvos tardios e famintos
como um falso e amarelado sinal.

poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
da antologia poética ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR (7 Letras)


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Escrevi um texto FICCIONAL na forma de versos e narrativas ficcionais que compõem um monólogo poético e ficcional, escrito e criado por minha autoria, na qual dou voz ao personagem do poeta “Miro Klein” (nome provisório do personagem) por mim criado. Este personagem, fruto de meu trabalho de imaginação e criação ficcional, é SOLTEIRO e apresenta uma biografia em todo diferente da minha como autor. Portanto autor e personagem nada têm a ver, não se confundem, são pessoas em todo distintas.
Uma outra pessoa escreveu textos poéticos e ficcionais para dar voz ao seu personagem de uma "musa" qualquer (“uma musa sem um poeta”). Embora tais textos possam eventualmente funcionar para o leitor como um diálogo poético, declaro que ambos foram escritos de forma independente. Ou seja, todas as falas de meu personagem são exclusivamente de minha autoria, bem como todos os textos da personagem “musa” são da autoria dessa outra pessoa. Dito isso, fica bem esclarecido que não houve trabalho escrito em co-autoria, mas sim trabalhos independentes.
Quando se cria um trabalho de literatura, há o uso da capacidade imaginativa do autor. Nenhuma criação FICCIONAL implica em fatos verídicos, não necessita se basear na realidade, mas preferencialmente criar uma realidade alterada, construída através do ofício de escrever. De forma que declaro a quem interessar possa que não houve e nunca haverá relação alguma entre minha pessoa e essa outra pessoa. Seria ridículo e despropositado confundir personagens com autores. Acredito que isso é desnecessário dizer ao leitor inteligente, mas a fim de esclarecer quaisquer erros de interpretação afirmo: um autor é um autor, e personagens são só personagens. Ademais, sou um homem casado e bem resolvido, tanto no âmbito pessoal quanto no do profissional realizado que sou.
O que aconteceu de fato, em alguns momentos desse trabalho de criação FICCIONAL foi a troca de correspondências dos textos produzidos, como forma de experimento poético e FICCIONAL.
Contudo, aos olhos críticos, há muito que se melhorar e corrigir, e mesmo muitas benfeitorias a serem feitas no texto produzido.
Acredito que um trabalho apresentado conjuntamente com outro autor só é viável quando o "outro" sabe dos princípios éticos e fundamentais da escrita e da criação de um livro, visto que o trabalho de criação envolve não apenas trabalho de escrita, mas também sucessivas revisões, e eventuais e providenciais reescritas e melhorias no texto de forma a torná-lo o mais legível possível e apto a ser apreciado pelo leitor. É fato inconteste que de forma alguma um escritor pode se utilizar do texto de outro autor, em todo ou em partes, sem a sua prévia e expressa autorização.
Confesso que sou um autor perfeccionista, absolutamente dentro dos padrões profissionais da escrita. Acredito que um escritor de verdade não precisa se utilizar do nome de outro para se promover. Desejos de fama são fruto do velho e conhecido pecado da vaidade. Um escritor genuíno não precisa usar o nome de outro escritor conhecido para expor suas ideias. Ninguém é e nem deveria servir de "muleta" ou "escada" para o outro conseguir notoriedade. Acredito que cada um deva trabalhar com muita humildade para ter algum mérito nesse ofício tão desacreditado que é ser escritor nesse país.

Fernando Koproski

sábado, 30 de março de 2013


Canção


A menina nua em prantos
está pensando em meu nome
volvendo e revolvendo
meu nome em bronze
com os mil dedos
de seu corpo
untando seus ombros
com a fragrância lembrada
de minha pele

Oh sou o general
de sua história
conduzindo cavalos majestosos
pelos campos
vestindo trajes de ouro
com o vento em meu torso
o sol na barriga

Possam os pássaros suaves
suaves como uma estória para seus olhos
proteger seu rosto
de meus inimigos
e os pássaros impuros
cujas asas afiadas
foram forjadas em mares metálicos
guardem seu quarto
de meus assassinos

E que a noite a trate com cuidado
as estrelas altas sustentem a palidez
de sua pele descoberta

E possa meu nome em bronze
sempre alcançar seus mil dedos
iluminar-se com suas lágrimas
até que eu esteja fixado como uma galáxia
e memorizado
em seus céus delicados e secretos.

poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
do livro “ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR” (7 Letras)



quinta-feira, 28 de março de 2013










SEM CHANCE DE AJUDA

há um lugar no coração que
nunca será preenchido

um espaço

e mesmo nos
melhores momentos
e
nos melhores
tempos

nós saberemos

nós saberemos
mais que
nunca

há um lugar no coração que
nunca será preenchido

e

nós iremos esperar
e
esperar

nesse
lugar.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski

do livro
essa loucura roubada
que não desejo a ninguém
a não ser a mim mesmo
amém





terça-feira, 26 de março de 2013


vênus de velázquez
vênus que vem em luas
em nem
            pétalas de nuvens

vênus de rubens
vênus de uma beleza
a mais digna
que se possa pensar ou pretender

vênus de dalí
vênus que não guarda
esconder

uma a uma
vênus só veste
o que se fez sentir

um dia ainda, senhor
há de ser vênus
o que se deixa ver
em tudo que eu vivi

Fernando Koproski
do livro “Tudo que não sei sobre o amor”
http://www.livrariascuritiba.com.br/tudo-que-nao-sei-sobre-o-amor-travessa,product,LV181720,3394.aspx 


domingo, 24 de março de 2013


Azul é a primeira luz do amanhecer. É a cor que começa o dia. E também a cor que o termina. Assim, nesse tempo ou espaço de seu viver as cores nascem e morrem azuis.
Sim, azul é a cor de um poema. A cor, forma, duração, densidade, peso, dimensão, idade, função e sentido de um poema. Tudo isso e mais alguma coisa que os sistemas de medidas não aferem.
Mesmo assim, para muitos que se ocupam de estudar a anatomia de um poema, ele não é considerado. Por não ser facilmente detectado nas chapas de raio x, o azul é invariavelmente desprezado. E um desperdício de azul é indesculpável, é como deixar com sede os sentidos apenas por mesquinhez. Mas que não se condene a crítica, ela quase que não tem culpa. Em seus estudos de taxidermia, ela se habituou a dissecar asas, tentando inutilmente entender os procedimentos do vôo.
    Porque o azul de um poema é como um sistema propulsor de vôo para os pássaros e borboletas.

Fernando Koproski
do livro “Pétalas, pálpebras e pressas”
http://www.livrariascuritiba.com.br/petalas-palpebras-e-pressas-aut-paranaenses,product,LV220050,3394.aspx


sábado, 23 de março de 2013

MUSA EM DESUSO


nenhuma musa mais me usa
este seu mar não afoga mais
já não será imortal às minhas custas
de indecisa já chega a paz

o jeito que você passa
o jeito que veste a blusa
não irá me convencer
adeus sonetos monumentais
e tudo mais que em quartetos me acusa

com a solidão eu já posso
esta insone ilusão eu já faço adormecer
nenhum poeta a postos será
mais testemunha das suas escusas
e nem do seu dom de esquecer

poema: Fernando Koproski e Alexandre França
música: Alexandre França, gravada no disco “A solidão não mata, dá a ideia”





sexta-feira, 8 de março de 2013


POEMA DE DIA DAS MULHERES

queria um poema que fosse como essas mulheres: um poema que andasse, passasse como essas mulheres passam. um poema que olhasse, sorrisse, ignorasse, cortasse, chovesse, queimasse, distraísse, silenciasse, ficasse como essas mulheres ficam. um poema que como elas hesitasse toda sua beleza decidida. mas como o poema para as páginas, a forma e a força com que ele não lhes pertence, as mulheres. pois só assim elas podem ser – como os poemas que só são poemas pelo buraco que deixam em quem os escreve, pelos espaços, distâncias e impermanências imperecíveis que com delicadeza nos permitem ser abatidos e lembrados indignos de suavidade entre um poema e outro. mas talvez eu apenas esteja errado, talvez as mulheres já sejam poemas. nós é que não as reconhecemos como tal. daí o motivo de todos os nossos problemas, da nossa angústia incontornável, da inutilidade de nossa solidão, estupidez de nossa objetividade, insuperável covardia, inaptidão à completude e exata insinceridade. pois as mulheres já existem como poemas, pensam como poemas, passam como poemas. assim e apenas assim desejam ser escritas ou percebidas – como poemas.

nós, uma prosa apenas.

FERNANDO KOPROSKI
do livro “Nunca seremos tão felizes como agora”
http://www.livrariascuritiba.com.br/nunca-seremos-tao-felizes-como-agora-autores,product,LV244140,3393.aspx

quarta-feira, 6 de março de 2013


NÃO SOU KAFKA MAS FUI TROCADO POR UMA BARATA

Desde que nosso cachorro ficou doente há uns três meses, certas mudanças aconteceram em casa. Milo – pronuncia-se mailon, tal qual o cachorro do Máskara, pois é uma homenagem de sua dona a este personagem –, teve um câncer no fígado. Sim, um câncer que foi retirado em cirurgia e o motivo pelo qual nosso cão se mudou para dentro de casa, passando a dormir numa confortável caminha ao lado de nossa cama.
A princípio, esta simples relocação de dormitório da mascote não significaria uma maior mudança em casa. Acontece que dentro de casa, havia as nossas gatas... Não que houvesse qualquer tipo de desavença entre eles. Pelo contrário, desde pequena a Afrodite (a nossa gata primogênita) já havia estabelecido as regras da boa convivência no cenário doméstico. Após deixar um talho permanente na orelha esquerda de Milo, este nunca mais se meteu a besta com ela.
O problema foi o ciúme, sempre o ciúme, este corpo estranho que inexplicável e instintivamente se aloja dentro de nós e passar a crescer em silêncio até o momento em que se torna intolerável sob a pele e passa a dar o ar de sua des-graça! Enfim, foi o ciúme que surgiu e se entranhou em Afrodite.
Dia após dia, ela passou a se afastar de nossa convivência, começando a dormir apenas em sua caminha na garagem. Antes, ela sempre dormia conosco. A qualquer hora que fosse era certo, bastava um de nós chegar em casa cansado e se atirar na cama que lá vinha aquele periscópio peludo disfarçado de rabo de gato rodeando a nossa cama. Isso já fazia parte da rotina acolhedora do lar: era se deitar na cama e observar os movimentos retilíneos uniformemente variados daquele periscópio levantado e perpendicular ao piso se aproximando de nossa cama, circundando e ambicionando nosso leito.
Sim, Afrodite adorava dormir sobre meu peito. Logo que alcançava os lençóis, ela escalava minha camiseta e se aninhava sobre ele, iniciando uma sequência interminável de ronrons. Foi assim até que o Milo se estabelecesse no meio de seu caminho. Desde então, o ciúme se apossou de nossa gata e indelevelmente comprometeu o sagrado equilíbrio do ambiente doméstico.
Mas esta noite, tive uma insônia e entre as coisas que a gente faz quando fica meio zumbi insone entre um cômodo e outro da casa, encontrei Afrodite. E então a olhei. E então a peguei nos braços. E então a levei pra nossa cama. Sentiram o caráter reconciliatório da última frase? E acreditem, meus amigos, apesar de todo aquele ciúme acumulado nos últimos meses, Afrodite escalou meu peito, lentamente amaciou meu tórax com suas patinhas suaves e por fim se aninhou neste pequeno e humilde espaço em cima do coração de um homem.
Estávamos bem. Entre um ronron e outro, já estava quase convencendo Afrodite a refletir sobre a inutilidade e o exagero de seu ciúme nos últimos tempos quando eis que escuto: um gemido... Era a nossa outra gata, a Angelina anunciando através de miados estridentes que havia caçado algo, provavelmente um inseto, e que agora o trazia como troféu para casa. Na hora, Afrodite se levantou, olhou pra mim e logo depois pra Angelina e então pra Manuela, a nossa terceira gata.
Gostaria de dizer nesse momento que Afrodite se alongou em sua indecisão, que ela pesou os prós e contras, e que pelo menos por um instante considerou o profundo afeto que tinha por mim enquanto me olhava fixamente e sofria em silêncio por ter que se despedir assim tão prematuramente de meu peito... mas não, nada disso aconteceu.
Afrodite saltou da cama na hora e sem hesitação alguma, sem nenhum traço de provável futuro arrependimento, simplesmente assim, do nada, ela me deixou na cama: perplexo e sozinho com esta história que agora conto pra vocês.
Sim, meus amigos, finalmente chegou o dia em que me vi diante dessa triste constatação: não sou Kafka mas fui trocado por uma barata...

Fernando Koproski



terça-feira, 5 de março de 2013


AMOR QUE VERÃO

se o amor sempre exige
mais do que você precisa
se o amor não é você
beijar o chão que ela pisa

se o amor não é você
pisar o chão que ela beija
se o amor são os miseráveis
dando dinheiro pra igreja

se o amor não é amar
uma mulher abrasiva
que o que te faz em brasa
ela te faz em brisa

se o amor não é aquilo
tudo que você espera
se o amor não é estar
entre as pernas da primavera

se o amor não é um beijo
de deus na sua testa
se o amor não é o sonho
que te apressa

se o amor ama amar o amor
ou isso é só uma peça
o que será de meu ódio
pra começo de conversa?

Fernando Koproski

ps. este poema recitei no DVD ao vivo do músico Carlos Machado a ser lançado em breve...


sexta-feira, 1 de março de 2013


LADY MACBETH

todas as vezes em que nos separamos
lady macbeth nunca olhou para trás

todas as vezes em que nos encontramos
lady macbeth nunca olhou para dentro de mim

ela não percebia
que acendia nas páginas
todas as beatrizes negadas a dante

que amanhecia
as borboletas que guardei
com cuidado em minhas pálpebras
durante as canções nevadas

ela passava pelas tardes
com seus passos de lava derretida
atraindo minhas mariposas
com seus olhares de magma
fazendo cada uma
daquelas borboletas guardadas beijar
com toda sua fragilidade
sua boca que me gritava guitarras

ela passava pelas tardes
enquanto borboletas e mariposas
abrasadas
colidiam a seus pés

eu notava que as asas
eram míopes
a seus gestos mais simples
de incinerar cerejas

todos me avisaram
que as asas eram surdas a seus cabelos
que os seus cabelos em seus movimentos mais sutis
sangravam chamas das joaninhas

eu percebi
mas mesmo assim
não as impedia de se aproximarem de lady macbeth

pois lady macbeth achava ingênuas
minhas fragilidades
ela diria certamente inconvenientes tais delicadezas
naqueles fins de tarde

quando o fogo
era uma forma de afago
antes de afogar

assim caminhávamos nós
eu, minhas estúpidas borboletas
e aquelas ingênuas mariposas

lady macbeth passando pela tarde
vendo um mundo sem chances entre seus cabelos
enquanto de relance nos fazia
afogar em magma e morangos

certa de que não poderia haver inverno
que nos estiolasse mais
que a verdade

todas as vezes em que nos separamos
lady macbeth nunca olhou para trás

todas as vezes em que nos encontramos
lady macbeth nunca olhou para dentro de mim

Fernando Koproski
do livro “NUNCA SEREMOS TÃO FELIZES COMO AGORA”

http://www.livrariascuritiba.com.br/nunca-seremos-tao-felizes-como-agora-autores,product,LV244140,3393.aspx