Tive muita sorte com as orelhas de meus livros. Sempre pude
contar com grandes escritores apresentando poemas meus ou traduções que fiz. E
o Nelson de Oliveira é um desses escritores incríveis que simplesmente tiraram de
ouvido a orelha do livro! Ele fez o texto de ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU
AMOR, a antologia poética do Leonard Cohen. Sente só:
Os
poemas de Leonard Cohen, a grande maioria sobre o amor e o sentimento do
sagrado, foram escritos com o indicador numa infinita vidraça. Numa vidraça embaçada
pelo hálito do poeta. Ou pelo vapor que escapa das xícaras. Ou pela
transpiração dos amantes. Lá fora chove, aqui dentro está abafado e essa
vidraça não se abala. Riscada de linhas úmidas, ela permanece sempre onde está,
separando do frio fabuloso o tempestuoso gozo.
Talvez os poemas de Leo Cohen não tenham sido
originalmente escritos nessas circunstâncias. Talvez a vidraça, a chuva e os
amantes sejam apenas fruto da minha imaginação. Mas, já que minha imaginação
foi estimulada pelos próprios poemas, então os seus frutos são tão legítimos quanto
os da mais disciplinada razão. Sendo assim, fica valendo minha versão dos
fatos, mesmo sendo ela pura invenção ou inversão dos fatos. Os poemas
justificam toda essa liberdade.
Muita gente não conhece esses poemas. Mas
conhece bastante bem a voz grave, áspera e vagarosa —
afinada por cinqüenta mil cigarros — desse
compositor e intérprete de dezenas de canções sombrias e melancólicas. Canções já
clássicas, como Famous blue raincoat,
The future e Waiting for the miracle. Canções que, como certos poemas aqui
reunidos, tocam o Oriente, as drogas, as portas da percepção, o corpo da mulher
amada, o céu e o inferno. “Suas canções cada vez se parecem mais com orações”,
afirmou Bob Dylan. Os poemas também se parecem bastante com orações.
Muita gente não conhece esses poemas, essa
sinistra liturgia. Mas agora vai conhecer, graças ao cuidadoso trabalho de
seleção e tradução de Fernando Koproski. O mesmo Koproski que tempos atrás
selecionou e traduziu ótimos poemas do Bukowski. Ótimos poemas que muita gente
não conhecia. Do mesmo Bukowski desgrenhado e amassado que torcia o nariz para
o elegante e alinhado Cohen. Guarda-roupa à parte, o americano e o canadense se
entendem muito bem nos terrenos baldios da lírica.
Koproski recolheu vários poemas da vidraça
embaçada e os trouxe pra cá. Para o calor dos trópicos. Para as cidades do
verão sem fim. Que subitamente esfriaram, acinzentaram, apagaram os olhos
externos para acender os internos. A nuvem de gafanhotos do Credo desceu sobre os edifícios. A
montanha de Alguns homens mudou de
nome e de dono. O ouro e o marfim d’As
flores que deixei no chão taparam os buracos no asfalto. As mágoas e as
carruagens d’A Rainha Vitória e eu
atrapalharam o trânsito.
Outros fenômenos estranhos, irônicos e eróticos
estão ocorrendo. Afinal os anseios carnais e espirituais desse libertino
encantador foram trazidos pra cá quase sem aviso. Como eram trazidas, há milênios,
as revelações violentas dos velhos profetas.
Nelson de Oliveira
http://www.livrariascuritiba.com.br/atras-das-linhas-inimigas-de-meu-amor-aut-parana,product,LV220048,3406.aspx
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