terça-feira, 15 de julho de 2014

meus caros, fui entrevista pelo jornalista Gustavo Rios sobre as minhas traduções do Charles Bukowski. A entrevista segue abaixo:

O curitibano Fernando Koproski é poeta, letrista e tradutor. Publicou os livros de poemas: Nunca seremos tão felizes como agora (7 Letras, 2009), Retrato do artista quando Primavera (7 Letras, 2014) e Retrato do amor quando verão, outono e inverno (7 Letras, 2014), entre outros. Abaixo, ele conversa conosco sobre o trabalho realizado com os poemas de Charles Bukowski.

GUSTAVO RIOS – Fale um pouco com sua ligação com o Bukowski. As traduções vieram como um simples trabalho ou de fato há uma ligação artística com o “velho safado”?

FERNANDO KOPROSKI – Sim, acho que há uma identificação artística com o velho Buk. No início, como leitor de seus livros de prosa, pois até 2003 não havia no mercado brasileiro nenhuma tradução de seus livros de poesia. E depois, ao longo dos anos 90, havia aquela curiosidade em saber se o autor era realmente poeta, pois sempre referia a si mesmo dessa forma em seus contos e narrativas, quando se colocava na figura do alter-ego Henry Chinaski. Em 2000, quando conheci seus livros de poesia, estava morando fora do país e trabalhava como kitchen porter (lavador de pratos) num restaurante londrino. E então percebi que esta realidade que eu vivia tinha tudo a ver com o cenário dos poemas do velho Buk. Apesar de ser outra realidade, não o cenário americano dos subempregos de 1960-70, a realidade dos subempregos dos anos 2000 na Inglaterra guardava diversas similaridades com a realidade americana tais como a jornada de trabalho longa, pesada e mal remunerada, e principalmente no tocante às relações pessoais, pois certamente havia o mesmo desprezo e preconceito (com estrangeiros) que o empregador tinha para com os seus funcionários que “ralavam” 13 horas por dia nesses subempregos. Diante de tudo isso, a poesia do Buk não só traduzia o meu momento, ela me significava e já me direcionava para uma fuga idealizada dessa realidade opressiva.

G.R. – Citando uma frase sua numa de suas entrevistas, em que você fala que o afastamento das pessoas da poesia tem a ver mais com os poetas que, a priori, se afastam das coisas que significam algo para elas, do que das pessoas em si, você acha que o “sucesso” de Bukowski tem a ver justamente por ele não ter se afastado do sentimento comum do ser humano?

F.K. – Com certeza. Em primeiro lugar devido à temática universal de todo e qualquer ser humano que não tenha nascido em berço de ouro, isto é, a condição social e todos os implicativos existenciais de todo indivíduo que precise trabalhar pra viver, e em segundo lugar devido à linguagem extremamente simples, muito comunicativa e convidativa, é que vejo a eficácia com que a poesia do autor encontra cada vez mais leitores entre nós brasileiros e seja um sucesso não somente aqui, mas em muitos outros países de culturas as mais diferentes.

G.R. – A prosa de Bukowski, assim como sua poesia, parece chamar atenção das pessoas não pelas qualidades literárias em si, mas sim pelo estereótipo que o enquadra como um escritor “underground”. Na sua tradução, pude notar que você buscou ampliar esse horizonte. Ou seja, ainda que tenhamos de fato a presença de tal temática marginal, é fato a escolha de poemas em que enxergamos um Bukowski mais sentimental e “desarmado”. Essa percepção que partiu de você foi intencional? Ou num trabalho de tradução é preciso um distanciamento profissional e apenas buscar a palavra certa na tentativa de transcrever os textos, sem tomar partido?

F.K. - Naturalmente tomei partido nesses dois trabalhos de tradução, tanto na seleção de poemas e tradução da primeira antologia poética “Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras, 2005)”, quanto na seleção e tradução dos poemas integrantes da segunda antologia poética “Amor é tudo que nós dissemos que não era (7 Letras, 2012)”. Foi intencional essa minha idéia de mostrar não só o Bukowski comumente conhecido por nós brasileiros (sobretudo por seus livros de prosa, quando é focalizado sob a personagem Chinaski no cenário underground), como também mostrar outros bukowskis: o lírico desencantado, o cantor ultrarrealista, o repórter melancólico e nostálgico das vicissitudes do cotidiano, e também o poeta capaz de escrever coisas ternas e até mesmo sentimentais, mas nunca de forma piegas, sempre com uma visada poeticamente interessante, e muitas vezes igualmente bem humorada.

G.R. Tenho uma teoria esquisita em que digo que, ainda que Charles Bukowski fosse um singelo corretor de seguros que tivesse a sorte de ser publicado, sua literatura, ainda assim, teria qualidades inquestionáveis. O que você acha disso? A vida do escritor nesse caso, caso fosse isolada de sua obra, diminuiria seus méritos. Ou podemos afirmar que o velho Buk seria um escritor notável, caso não tivesse vivido o que viveu?

F.K. – Parece que a sua biografia sempre esteve à serviço de sua literatura, alimentando-a, bombeando gasolina nos incêndios aos quais a alma se aproximava, e se sentia tentada ou então fascinada pela verdade exata, e a beleza e velocidade de queimar do fogo... Acho que vida e literatura nesse caso são indissociáveis. Não que a biografia deva ser reproduzida ipsis literis na obra, pelo contrário, ela existe para ser filtrada, distorcida, amplificada pelo autor conforme seus desejos e “delitos” literários. E caso ele tivesse sido corretor de seguros ao invés de carteiro, boas histórias também não faltariam, pois certamente ele estaria observando e traduzindo outras relações humanas em sua obra...

G.R. – A musicalidade – algo que notei nas traduções feitas – me parece presente em ambos os livros. Você acha que a marca do tradutor deve ditar o ritmo da obra de outro, ou deve se respeitar sem questionamentos a essência de um livro sem mexer em nada?

F.K. – Acho que um poema traduzido para a língua portuguesa, deve soar aos olhos do leitor exatamente (ou o máximo possível) como um poema que tivesse sido escrito originalmente em português. De modo que quando encontro momentos em que posso ou devo adaptar uma imagem (ao invés de simplesmente traduzi-la literalmente) para melhor representar a imagem que o texto original me proporciona, não tenho pudores em “reescrever” aquela passagem do texto em inglês. E se nesse esforço de “reescritura” a musicalidade surge e se faz presente, é porque a poesia do autor me dá essa abertura. Possivelmente a poesia do Bukowski conversa com a minha (a do Fernando Koproski poeta), e por isso às vezes dela se alimenta (através de procedimentos musicais como ritmo, assonâncias etc) ou a alimenta com sua lírica imbatível.

G.R. – E sobre suas obras e projetos futuros? Fale-nos mais sobre eles.

F.K. - Escrevo livros de poemas também. Já publiquei uns 11. E faço letras de música, tenho composições gravadas em parceria com músicos de Curitiba, tais como Carlos Machado, Alexandre França, Renato Quege e Téo Ruiz. Já montei e traduzi uma antologia poética do Leonard Cohen: “Atrás das linhas inimigas de meu amor (7 Letras, 2007)”, outro caso de escolha pessoal e afetiva vinculada ao trabalho de tradução. Mas fundamentalmente me vejo como um escritor de versos... Publiquei 2 livros este ano que acho que “traem e traduzem” bem o Fernando autor. Um se chama “Retrato do artista quando Primavera (7 Letras, 2014)” e o outro “Retrato do amor quando verão, outono e inverno (7 Letras, 2014)”. E é isso. Como já disseram: para um sonho, uma vida é pouca... Mas a gente insiste no sonho. E de saideira, um poema meu do “Retrato do artista quando Primavera”:

Canção de amor e ódio

onde você estava que ainda
não notou que em Curitiba
suicida que é suicida ama a vida
só não vê sua paixão correspondida

onde você estava que ainda
não notou que nós passamos a vida
sonhando em se mudar desse lugar
mas quando chega a hora da partida

ah, a gente ainda hesita demais
às vezes diz que vai mas não vai
até que um corvo suspira: nunca mais
e a gente vai pra São José dos Pinhais

mas se o sol hesita, a gente aflita
dessa cidade só pensa em se matar
de vinho, vodka, solidão, neurose
tomo nas veias uma overdose de inverno

e sonho em ser eterno uma vez mais
e sonho em ser eterno uma vez mais
e sonho em ser eterno uma vez mais
e sonho em ser eterno uma vez mais

antes que mais uma vez eu repita
Curitiba, um novo toc agora tanto faz
mas dá um tempo nessa obsessão
de fazer eu te levar nas costas, no coração

não espero que você um dia coincida
com minha dor, só quero que você
deixe de ser nos versos convencida
eu sonho em ser eterno só uma vez na vida

Fernando Koproski nasceu em Curitiba, em 22 de janeiro de 1973. Publicou os livros de poemas: Manual de ver nuvens(1999); O livro de sonhos (1999); Tudo que não sei sobre o amor(2003), incluindo CD que apresenta leitura de poemas na voz do autor acompanhado pela guitarra flamenca de Luciano Romanelli;Como tornar-se azul em Curitiba (2004); Pétalas, pálpebras e pressas, livro selecionado para publicação pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná (2004); Nunca seremos tão felizes como agora (7 Letras, 2009), Retrato do artista quando Primavera (7 Letras, 2014) e Retrato do amor quando verão, outono e inverno (7 Letras, 2014).

Participou das antologias Passagens – antologia de poetas contemporâneos do Paraná (Imprensa oficial do Paraná, 2002) eMoradas de Orfeu (Letras contemporâneas, 2011).

Como tradutor, selecionou, organizou e traduziu as Antologias Poéticas de Charles Bukowski Essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras, 2005) e Amor é tudo que nós dissemos que não era (7 Letras, 2012), bem como a Antologia Poética de Leonard Cohen Atrás das linhas inimigas de meu amor (7 Letras, 2007).

Lançou o CD Poesia em Desuso, registro ao vivo do recital que fez com o músico e compositor Alexandre França, apresentando poemas autorais, traduções e sua parceria musical, em 2005.

Como letrista, tem composições gravadas por: Beijo AA Força no CD Companhia de Energia Elétrica Beijo AA Força (2003); Alexandre França no CD A solidão não mata, dá a ideia (2006); Casca de Nós no CD Tudo tem recheio (2006); e Carlos Machado nos CDs Tendéu (2008), Samba portátil (2011), Longe (2012),Los amores de paso (2013) e no DVD Longe e outras canções(2013).

Graduado em Letras Inglês pela UFPR, fez mestrado em literatura de língua inglesa na mesma instituição, com a dissertaçãoFlores das Flores para Hitler sobre a obra poética de Leonard Cohen, em 2007.



Nenhum comentário:

Postar um comentário