meus caros, fui entrevista
pelo jornalista Gustavo Rios sobre as minhas traduções do Charles Bukowski. A
entrevista segue abaixo:
O curitibano Fernando
Koproski é poeta, letrista e tradutor. Publicou os livros de poemas: Nunca
seremos tão felizes como agora (7 Letras, 2009), Retrato do artista
quando Primavera (7 Letras, 2014) e Retrato do amor quando
verão, outono e inverno (7 Letras, 2014), entre outros. Abaixo, ele
conversa conosco sobre o trabalho realizado com os poemas de Charles Bukowski.
GUSTAVO RIOS – Fale um
pouco com sua ligação com o Bukowski. As traduções vieram como um simples
trabalho ou de fato há uma ligação artística com o “velho safado”?
FERNANDO KOPROSKI – Sim,
acho que há uma identificação artística com o velho Buk. No início, como leitor
de seus livros de prosa, pois até 2003 não havia no mercado brasileiro nenhuma
tradução de seus livros de poesia. E depois, ao longo dos anos 90, havia aquela
curiosidade em saber se o autor era realmente poeta, pois sempre referia a si
mesmo dessa forma em seus contos e narrativas, quando se colocava na figura do
alter-ego Henry Chinaski. Em 2000, quando conheci seus livros de poesia, estava
morando fora do país e trabalhava como kitchen porter (lavador de pratos) num
restaurante londrino. E então percebi que esta realidade que eu vivia tinha
tudo a ver com o cenário dos poemas do velho Buk. Apesar de ser outra
realidade, não o cenário americano dos subempregos de 1960-70, a realidade dos
subempregos dos anos 2000 na Inglaterra guardava diversas similaridades com a
realidade americana tais como a jornada de trabalho longa, pesada e mal
remunerada, e principalmente no tocante às relações pessoais, pois certamente
havia o mesmo desprezo e preconceito (com estrangeiros) que o empregador tinha
para com os seus funcionários que “ralavam” 13 horas por dia nesses
subempregos. Diante de tudo isso, a poesia do Buk não só traduzia o meu
momento, ela me significava e já me direcionava para uma fuga idealizada dessa
realidade opressiva.
G.R. – Citando uma frase
sua numa de suas entrevistas, em que você fala que o afastamento das pessoas da
poesia tem a ver mais com os poetas que, a priori, se afastam das coisas que
significam algo para elas, do que das pessoas em si, você acha que o “sucesso”
de Bukowski tem a ver justamente por ele não ter se afastado do sentimento
comum do ser humano?
F.K. – Com certeza. Em
primeiro lugar devido à temática universal de todo e qualquer ser humano que
não tenha nascido em berço de ouro, isto é, a condição social e todos os implicativos
existenciais de todo indivíduo que precise trabalhar pra viver, e em segundo
lugar devido à linguagem extremamente simples, muito comunicativa e
convidativa, é que vejo a eficácia com que a poesia do autor encontra cada vez
mais leitores entre nós brasileiros e seja um sucesso não somente aqui, mas em
muitos outros países de culturas as mais diferentes.
G.R. – A prosa de
Bukowski, assim como sua poesia, parece chamar atenção das pessoas não pelas
qualidades literárias em si, mas sim pelo estereótipo que o enquadra como um
escritor “underground”. Na sua tradução, pude notar que você buscou ampliar
esse horizonte. Ou seja, ainda que tenhamos de fato a presença de tal temática
marginal, é fato a escolha de poemas em que enxergamos um Bukowski mais sentimental
e “desarmado”. Essa percepção que partiu de você foi intencional? Ou num
trabalho de tradução é preciso um distanciamento profissional e apenas buscar a
palavra certa na tentativa de transcrever os textos, sem tomar partido?
F.K. - Naturalmente
tomei partido nesses dois trabalhos de tradução, tanto na seleção de poemas e
tradução da primeira antologia poética “Essa loucura roubada que não desejo a
ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras, 2005)”, quanto na seleção e
tradução dos poemas integrantes da segunda antologia poética “Amor é tudo que
nós dissemos que não era (7 Letras, 2012)”. Foi intencional essa minha idéia de
mostrar não só o Bukowski comumente conhecido por nós brasileiros (sobretudo
por seus livros de prosa, quando é focalizado sob a personagem Chinaski no
cenário underground), como também mostrar outros bukowskis: o lírico
desencantado, o cantor ultrarrealista, o repórter melancólico e nostálgico das
vicissitudes do cotidiano, e também o poeta capaz de escrever coisas ternas e até
mesmo sentimentais, mas nunca de forma piegas, sempre com uma visada
poeticamente interessante, e muitas vezes igualmente bem humorada.
G.R. Tenho uma teoria
esquisita em que digo que, ainda que Charles Bukowski fosse um singelo corretor
de seguros que tivesse a sorte de ser publicado, sua literatura, ainda assim,
teria qualidades inquestionáveis. O que você acha disso? A vida do escritor
nesse caso, caso fosse isolada de sua obra, diminuiria seus méritos. Ou podemos
afirmar que o velho Buk seria um escritor notável, caso não tivesse vivido o
que viveu?
F.K. – Parece que a sua
biografia sempre esteve à serviço de sua literatura, alimentando-a, bombeando
gasolina nos incêndios aos quais a alma se aproximava, e se sentia tentada ou
então fascinada pela verdade exata, e a beleza e velocidade de queimar do
fogo... Acho que vida e literatura nesse caso são indissociáveis. Não que a
biografia deva ser reproduzida ipsis literis na obra, pelo contrário, ela
existe para ser filtrada, distorcida, amplificada pelo autor conforme seus
desejos e “delitos” literários. E caso ele tivesse sido corretor de seguros ao
invés de carteiro, boas histórias também não faltariam, pois certamente ele
estaria observando e traduzindo outras relações humanas em sua obra...
G.R. – A musicalidade – algo
que notei nas traduções feitas – me parece presente em ambos os livros. Você
acha que a marca do tradutor deve ditar o ritmo da obra de outro, ou deve se
respeitar sem questionamentos a essência de um livro sem mexer em nada?
F.K. – Acho que um poema
traduzido para a língua portuguesa, deve soar aos olhos do leitor exatamente
(ou o máximo possível) como um poema que tivesse sido escrito originalmente em
português. De modo que quando encontro momentos em que posso ou devo adaptar uma
imagem (ao invés de simplesmente traduzi-la literalmente) para melhor
representar a imagem que o texto original me proporciona, não tenho pudores em
“reescrever” aquela passagem do texto em inglês. E se nesse esforço de
“reescritura” a musicalidade surge e se faz presente, é porque a poesia do
autor me dá essa abertura. Possivelmente a poesia do Bukowski conversa com a
minha (a do Fernando Koproski poeta), e por isso às vezes dela se alimenta
(através de procedimentos musicais como ritmo, assonâncias etc) ou a alimenta
com sua lírica imbatível.
G.R. – E sobre suas obras e
projetos futuros? Fale-nos mais sobre eles.
F.K. - Escrevo livros de
poemas também. Já publiquei uns 11. E faço letras de música, tenho composições
gravadas em parceria com músicos de Curitiba, tais como Carlos Machado,
Alexandre França, Renato Quege e Téo Ruiz. Já montei e traduzi uma antologia
poética do Leonard Cohen: “Atrás das linhas inimigas de meu amor (7 Letras,
2007)”, outro caso de escolha pessoal e afetiva vinculada ao trabalho de
tradução. Mas fundamentalmente me vejo como um escritor de versos... Publiquei
2 livros este ano que acho que “traem e traduzem” bem o Fernando autor. Um se
chama “Retrato do artista quando Primavera (7 Letras, 2014)” e o outro “Retrato
do amor quando verão, outono e inverno (7 Letras, 2014)”. E é isso. Como já
disseram: para um sonho, uma vida é pouca... Mas a gente insiste no sonho. E de
saideira, um poema meu do “Retrato do artista quando Primavera”:
Canção de amor e ódio
onde você estava que ainda
não notou que em Curitiba
suicida que é suicida ama a
vida
só não vê sua paixão
correspondida
onde você estava que ainda
não notou que nós passamos a
vida
sonhando em se mudar desse
lugar
mas quando chega a hora da
partida
ah, a gente ainda hesita
demais
às vezes diz que vai mas não
vai
até que um corvo suspira:
nunca mais
e a gente vai pra São José
dos Pinhais
mas se o sol hesita, a gente
aflita
dessa cidade só pensa em se
matar
de vinho, vodka, solidão,
neurose
tomo nas veias uma overdose
de inverno
e sonho em ser eterno uma vez
mais
e sonho em ser eterno uma vez
mais
e sonho em ser eterno uma vez
mais
e sonho em ser eterno uma vez
mais
antes que mais uma vez eu
repita
Curitiba, um novo toc agora
tanto faz
mas dá um tempo nessa
obsessão
de fazer eu te levar nas
costas, no coração
não espero que você um dia
coincida
com minha dor, só quero que
você
deixe de ser nos versos
convencida
eu sonho em ser eterno só uma
vez na vida
Fernando Koproski nasceu
em Curitiba, em 22 de janeiro de 1973. Publicou os livros de poemas: Manual
de ver nuvens(1999); O livro de sonhos (1999); Tudo que não sei
sobre o amor(2003), incluindo CD que apresenta leitura de poemas na voz do
autor acompanhado pela guitarra flamenca de Luciano Romanelli;Como tornar-se
azul em Curitiba (2004); Pétalas, pálpebras e pressas, livro
selecionado para publicação pela Secretaria de Estado da Cultura do Paraná
(2004); Nunca seremos tão felizes como agora (7 Letras, 2009), Retrato
do artista quando Primavera (7 Letras, 2014) e Retrato do amor
quando verão, outono e inverno (7 Letras, 2014).
Participou das
antologias Passagens – antologia de poetas contemporâneos do Paraná (Imprensa
oficial do Paraná, 2002) eMoradas de Orfeu (Letras contemporâneas, 2011).
Como tradutor, selecionou,
organizou e traduziu as Antologias Poéticas de Charles Bukowski Essa
loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7
Letras, 2005) e Amor é tudo que nós dissemos que não era (7
Letras, 2012), bem como a Antologia Poética de Leonard Cohen Atrás
das linhas inimigas de meu amor (7 Letras, 2007).
Lançou o CD Poesia em
Desuso, registro ao vivo do recital que fez com o músico e compositor Alexandre
França, apresentando poemas autorais, traduções e sua parceria musical, em
2005.
Como letrista, tem
composições gravadas por: Beijo AA Força no CD Companhia de Energia
Elétrica Beijo AA Força (2003); Alexandre França no CD A solidão não
mata, dá a ideia (2006); Casca de Nós no CD Tudo tem recheio (2006);
e Carlos Machado nos CDs Tendéu (2008), Samba portátil (2011), Longe (2012),Los
amores de paso (2013) e no DVD Longe e outras canções(2013).
Graduado em Letras Inglês
pela UFPR, fez mestrado em literatura de língua inglesa na mesma instituição,
com a dissertaçãoFlores das Flores para Hitler sobre a obra poética de
Leonard Cohen, em 2007.