De 5 em 5 minutos
enquanto chove
passa todo ônibus que não é o meu
de 5 em 5 minutos
a máquina do mundo engasga,
as suas engrenagens perdem fôlego
e ela tosse sangue e óleo queimado
de 5 em 5 minutos
a máquina do mundo vê
mais um poeta no meio do caminho
e sem pensar duas vezes o atropela
de 5 em 5 minutos
chove e chove e chove
de 5 em 5 minutos
se passam muito mais do que cinco minutos
de 5 em 5 minutos
uns morrem de câncer
outros de solidão
de 5 em 5 minutos
a solidão foi tomando
um a um os seus órgãos
de 5 em 5 minutos
a solidão foi comendo
mastigando ele por dentro
até que um dia acabou morrendo
de solidão generalizada
de 5 em 5 minutos
ainda chove
de 5 em 5 minutos
os sonhos crescem como ervas daninhas
em teus mais belos e conformados
jardins da mente
de 5 em 5 minutos
novas formas de beleza
são inauguradas e perdidas para sempre
na tua frente
de 5 em 5 minutos
em pleno inverno
os ipês têm a sublime audácia
de expor suas pétalas roxas
para nós mais uma vez
de 5 em 5 minutos
a vida não pode perder seu tempo com esse poema
de 5 em 5 minutos
a menina de 4 aninhos
tem seus bracinhos e costas queimados
por pontas de cigarro
de 5 em 5 minutos
há mais de três meses
a menina de 4 aninhos
está sendo estuprada
de todas as maneiras
que se possa imaginar
de 5 em 5 minutos
um caminhão se perde na curva
e esquarteja gérberas
quando corta de fora a fora
pela linha de cintura
uma mulher grávida
que esperava o ônibus
de 5 em 5 minutos
as árvores são asfixiadas
pelas sombras tóxicas dos edifícios
de 5 em 5 minutos
os rios morrem afogados em triste sujeira
e suja tristeza
de 5 em 5 minutos
a chuva não limpa mais nada
de 5 em 5 minutos
a chuva suja muito mais
do que simplesmente a roupa no varal
ou a inocência dos desavisados
ou a ingenuidade dos distraídos
de 5 em 5 minutos
violências inimagináveis passam a ser imagináveis
por alguém
bem perto de você
de 5 em 5 minutos
almas de alfazema morrem
de doenças seguramente erradicadas
há mais de um século em meu país
de 5 em 5 minutos
a menina de 4 aninhos
vê uma minipétala de sangue crescendo
no lugar do que um dia seria seu seio
ao ter seu primeiro mamilo arrancado
de 5 em 5 minutos
se passam muito mais do que cinco minutos
de 5 em 5 minutos
ninguém mais se lembra
do que aconteceu com a menina de 4 aninhos
ou com a mulher grávida
ou com a chuva
ou com as árvores
de 5 em 5 minutos
somos intoxicados por um amor
que nunca será o bastante
de 5 em 5 minutos
você pode optar pela urgente
veloz e ingrata corrida dos ratos
ou pela sábia e paciente renúncia dos gatos
de 5 em 5 minutos
novas doenças estão sendo criadas
para conter o avanço de seus filhos
e dos filhos de seus filhos
para evitar que o nosso inadmissível fracasso
se prolongue por muito mais tempo
de 5 em 5 minutos
nossas ideias de felicidade
se espatifaram entre a gente
de 5 em 5 minutos
hoje eu ando devagar
com cacos de sonhos
fincados nos pés
de 5 em 5 minutos
volta a chover novamente
de 5 em 5 minutos
enquanto chove
eu vivo aqui
esperando o ônibus
junto com a mulher grávida,
a menina de 4 aninhos
e a chuva
Fernando Koproski
do livro “Retrato do amor quando verão, outono e inverno” (7letras,
2014)