segunda-feira, 24 de março de 2014


AS FLORES EM GREVE DE FOME

enquanto você me fala
que entre nós
as flores em greve de fome
forçada
o sonho ainda com sede
as gatas ainda com sono
a gente na mesma sintonia
da antena da tevê quebrada

enquanto você me fala
que meus poemas são tão necessários
quanto um relógio parado

ainda penso que mesmo parado
o relógio
marca 2 vezes por dia
a hora certa

enquanto você me fala
sobre dias sem piano
da roupa amassada
da casa desarrumada
do sonho de uma vida inteira

das árvores estourando a calçada
da pia enchendo de pratos
ou da chuva há dias
comandando uma verdadeira invasão
através das goteiras

enquanto você me fala
disso tudo

ao invés de lavar a louça
ainda fico aqui lavando palavras
nessa página em branco
encardindo dia após dia essa página
com meus versos

enquanto você me fala
do livro do amor

o evangelho do desejo
se abre à minha frente
e eu

ainda com as mãos
nas coxas pálidas das páginas

leio com os dedos seu rosto
seus braços suas mãos
seus olhos fechados
acesos

leio com a língua seus joelhos
seu umbigo sua nuca
suas pernas
seus tornozelos

leio toda a sua pele

toda a epiderme das páginas
desse livro

que sou eu e você

enquanto você me fala
que entre nós
as flores,

seus dedos brisam
por minhas costas

e uma suavidade impera
sobre todos os segredos

Fernando Koproski
do livro “Retrato do artista quando primavera” (7letras, 2014)



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