terça-feira, 13 de agosto de 2013

O que os escritores, poetas, críticos e jornalistas disseram sobre as minhas traduções do BUKOWSKI em ESSA LOUCURA ROUBADA QUE NÃO DESEJO A NINGUÉM A NÃO SER A MIM MESMO AMÉM:

Centrada na produção inicial do escritor, a seleção é um dos pontos fortes do livro, além da tradução de Fernando Koproski, que se esforça por manter o coloquialismo tão fundamental para a beleza dos originais. Poderia ser difícil identificar a beleza na literatura desse repórter do mundo cão, não fossem versos como “não se esqueça:/ o tempo existe é para ser desperdiçado,/ o amor fracassa/ e a morte é inútil”. Afinal a poesia de Bukowski obtém a atenção merecida num livro que é, desde já, referencial.
Joca Reiners Terron, Folha de S. Paulo

A sua receita para ser um grande escritor é dedicar-se de forma cega à escrita, embriagando-se com a vida e não tendo nenhuma delicadeza na hora de pôr as coisas no papel: “bata nela [na máquina de escrever] com força/ como se fosse uma luta de pesos pesados”. É essa violência diante da atividade poética que determina o diferencial de sua obra.
Miguel Sanches Neto, Carta Capital

Fazia tempo que o velho Bukowski não aparecia em verso nas estantes brasileiras. A antologia é uma edição bilíngue que reúne poemas desbocados e demolidores, selecionados dos 11 livros do autor, do período de 1969 a 1999.
Nelson de Oliveira, Rascunho

Bukowski não gostava de poesia rimada, mas a tradução de Koproski em “Ressacas” é dotada de uma energia própria – bem acima da mera substituição de idiomas. Essa “contaminação” do tradutor pelo universo bukowskiano é um selo de qualidade sobre todo o livro. Como bem observa Mário Bortolotto na orelha, os dois nomes até rimam.
Paulo Briguet, Jornal de Londrina

O poeta curitibano Fernando Koproski, pra mim, está muito acima dos tradutores de poesia do Brasil. Ele consegue ser original. Uma obra-prima o que ele fez com o Bukowski. Pra quem gosta de poesia é um prato cheio de delícias. Gostosuras para os paladares mais refinados.
Thadeu Wojciechowski, Polaco da barreirinha

Há poucos minutos mesmo, comecei ler um livro de poemas [Essa loucura roubada...]. Abri a primeira página e, dada a força, logo parei: vim escrever. A poesia pode ser o lugar de coisas grandiosas, intensas, ainda que, muitas vezes, simples. Talvez, grandiosas e intensas também porque simples.
Alberto Pucheu, Pelo colorido, para além do cinzento

Charles Bukowski pertence a uma tradição da poesia norte-americana iniciada por Walt Whitman, o autor de Folhas da Relva, criador do verso livre e herói da rebelião romântica. Assim como o seu antepassado poético, talvez o primeiro beatnik da história, Bukowski desenvolve uma obra de fôlego oratório, com versos longos, narrativos e discursivos, fazendo uso da linguagem coloquial, do humor e de referências à vida cotidiana. Logo, um poeta na contramão da vanguarda, mais atenta à concisão, à síntese e à estética do fragmento, seguindo os passos dessa outra grande precursora que foi Emily Dickinson. Porém, a arte verbal de Bukowski está muito longe da fragilidade ou da rotina literária: temos aqui um autor inquieto, insubmisso, à margem do cânone e da convenção, que provoca o leitor com sua língua ferina e desbocada. Um poeta irreverente que prefere o palavrão, a bebedeira e a sarjeta aos telefones celulares e gravatas em estilo italiano da geração yuppie. Enfim, um necessário anarquista, um delicioso vagabundo que despreza os valores utilitários e mercantilistas de uma sociedade em rápido processo de apodrecimento mental. Sua cáustica antilírica, recriada neste volume pelo poeta Fernando Koproski, retoma a importante tradição libertária da poesia (e da cultura) americana, e constitui uma centelha de saudável contestação nesta era sombria em que vivemos.
Claudio Daniel, A saideira e mais uma

Buk, velho safado,
Que anjas andas beliscando aí no céu ou inferno?
Que músicas das esferas andas escutando?
Que cervejas andas tomando? Néctar de lava ou hidromel de nuvens?
E que papos e porres homéricos você deve estar tomando aí com feras como você!
Pois é, cada vez mais tenho visto a moçada aqui em Pindorama
interessada em sua lira profana, simples mas contundente,
que torna o ordinário extraordinário, que resgata
o dia a dia e o mundo cão das prostitutas, fudidos e excluídos desta Terra, que castiga a pretensão
de poetastros que aqui gorgeiam, mais interessados na pose que na poesia!
E mais feliz ainda ficamos em saber que seus poemas estão traduzidos,
para nosso bom e velho português, pelas mãos sensíveis de um poeta como
Fernando Koproski.
Vale a pena conferir.
Evoé, anjo Charles!

De seu admirador,
Rodrigo Garcia Lopes


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Gravei ontem um poema no novo CD do amigo e parceiro Carlos Machado. Ele também já musicou um poema do livro TUDO QUE NÃO SEI SOBRE O AMOR, e o gravou com os vocais de Esther Tribuzzi:

ELA

ela me falava que escrever
era como morrer sol num mar de monet
eu bebendo minha dor como se fosse saquê
ela me falava que amor
não era o que vênus vê
mas o que psiquê um dia pisque
eu bebendo minha dor como se fosse whisky
ela me falava que mesmo que matisse mentisse
eram flores de luz o que vincent
pensava às cores em contra-ataque
eu bebendo minha dor como se fosse conhaque
ela me falava como se cada fala
aonde silêncio falta
fosse nosso beijo esculpido por rodin a todo instante
eu bebendo minha dor como se fosse chianti.

quando ela me falava de sua dor,
eu já bebendo qualquer coisa.

poema: Fernando Koproski
música: Carlos Machado




quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Já o meu amigo Téo Ruiz musicou esse poema do livro TUDO QUE NÃO SEI SOBRE O AMOR e o gravou junto com a querida Estrela Leminski (ela, um dos melhores poemas que o mestre fez... rsrs...), no disco da banda CASCA DE NÓS. E como é bom ouvir esses dois cantando juntos nessa gravação...

MENINA DE OLHOS VERDINHOS

por você guardar
um mar assim em teus olhinhos

de tão longe eu vim
para ficar de você junto juntinho

antes de te encontrar
em tantos lagos fiquei sozinho

é que dentro de mim
um blues chovia bem baixinho

tentei fazer poesia
do que eu chovia pelo caminho

mas era tão pouco mar
que amar mal dava um versinho.

se um dia tiver que levar
o meu amor, leva devagarinho

fala depressa todo jasmim
até ficar longe de mim pertinho

antes que uma dor qualquer
faça cárie em meu carinho.

Poema: Fernando Koproski
Música: Téo Ruiz


https://soundcloud.com/musica-de-ruiz/menina-dos-olhos-verdinhos

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

hoje ele tá na Tailândia! é o meu amigo Renatão, que musicou o poema ÓDIO PLATÔNICO e gravou com sua banda BEIJO AA FORÇA. foi o primeiro poema do livro TUDO QUE NÃO SEI SOBRE O AMOR que virou música (e com direito a solo de guitarra do Ferreira):

Ódio Platônico
(Quege/Koproski)

A tua dor que me desculpe
O que você sente nem tem mais sentido
Amor então que me preocupe
Mas o teu ódio não será correspondido

Para odiar te falta destreza
Neste olhar mais mágoa que tristeza
Se ainda não tiver percebido
Tua aspereza não me deixa comovido

Nem se disser que o que sente
Para nós dois é suficiente
Terá possibilidade

Um dia você vai entender obsessão
E não ódio de verdade
O que se odeia quando se adia o coração

https://soundcloud.com/mofonovo/beijo-aa-for-a-dio-plat-nico



terça-feira, 6 de agosto de 2013

para os que gostam de críticas , essa é uma resenha que o professor e escritor Paulo Venturelli escreveu sobre meu livro, na época do lançamento... Paulo, vc só se enganou sobre uma coisa: eu nunca disse que eu não gostava de vc. pelo contrário, sempre admirei a clareza, poesia e brilhantismo do teu pensamento. sorte é dos que têm vc como amigo ou professor... o fato é que eu não gostava DOS HORÁRIOS DE SUA AULA, lá na ufpr toda sexta às 7:30 da manhã... mas isso vc me desculpa, né? grande abraço do aluno Fernando!

KOPROSKI, POETA

Eu quero fazer uma resenha crítica a respeito do livro tudo que não sei sobre o amor, de Fernando Koproski. Sento-me à mesa (percebam a expressão séria), tomo o livro e começo a ler. A intenção é ir da primeira página à última. Impossível. Assim que leio um texto, minha cabeça começa a pulular e é como se se instalassem lá dentro todos os trapézios do mundo, em dança louca, em acrobacias arrojadas. Ou, então, parece que um jardim cheio de bulbos passa a deitar raízes em várias direções e florescer com cores, tons e matizes os mais variados.

Resumindo a situação: ler um texto de Koproski me faz escrever - eu deslizo da leitura crítica para a fruição estimulante da criação, como se os escritos do poeta abrissem porteiras de mundos até então ignorados.

Comentei a situação com um amigo meu e ele deu o conselho: não leia o livro do princípio ao fim, não faça uma simples resenha, escreva sobre estes efeitos que os textos provocam em você. A idéia me agradou e estou aqui curtindo estas mal traçadas linhas.

O que o livro de Fernando Koproski tem de especial? Tudo: dicção própria, originalidade, criação de imagens inesperadas, lirismo pungente que destoa da literatura mercadológica, ritmo sincopado para uma emoção que não se esparrama, porque é filtrada pela razão, pela construção do poema como objeto de linguagem, ousadia em escrever sobre sentimentos que os pós-concretistas haviam condenado e, junto disso, crença no verso e na palavra como mundos moldáveis para se expressar uma visão, um dado ângulo, a captação de uma cena que vem tingida com a carpintaria que parece solta, mas é rigorosa.

A poesia brasileira das últimas décadas tornou-se insuportável. Não sei se é pós-concretismo ou neoconcretismo, mas todo mundo rasteja sob o fetiche da síntese, e o resultado final é uma poesia despersonalizada, sem visão e discursos próprios. Você lê 50 livros e parece que eles foram escritos pelo mesmo autor, já que grande parte dos escritores caminha pela mesma técnica ou pela mesma falta de. E aqui em Curitiba há outra praga: impulsionados pelo sucesso de Leminski, os poetas das novas gerações se agarram ao haikai como o náufrago se pendura em qualquer coisa que mantenha sua cabeça fora da água.

Koproski, com muita personalidade, foge destas ciladas e, tenho certeza, encontrou a solução para a crise de esterilidade que grassa por nossos poetas. E o que mais me estimula é que ele é jovem. Se não vacilar, se não se entregar a modismos, se insistir em manter-se no caminho aberto, aprofundando-o, será em breve um de nossos grandes poetas. E grande poeta, para mim, é aquele que, ao ser lido, me nutre, faz as engrenagens da mente funcionar, lubrifica os labirintos, distende as asas, abre todos os olhos do corpo, empurra para a beira do abismo e diz: está aí o desafio, o começo da meada, crie. O livro de Koproski, que a todo momento abro a esmo, tem este condão mágico de me tirar do comezinho e me pôr cara-a-cara com o deslumbramento e produzir. Para mim é o que vale. E se leio tanto é justo para encontrar esta estimulação alcoólico-poético-musical-modular e ser empurrado para a página em branco, onde o bicho pega.

Sei que Fernando não gosta de mim por razões que são lá suas. Não acho isso um desastre. As antipatias também são matéria de vida. Mesmo assim e talvez até por isso, faço uma declaração de amor ao livro dele: é uma fonte onde beberico para voar alto.
Não consegui fazer uma resenha e também isso não importa. Ás vezes, na vida, é melhor deixar o formalismo de lado e dizer: cara, você é excelente, teu livro me faz vibrar e quando te criticarem, na tentativa de tirar o valor do teu trabalho, ignore. É voz de alguém que está se sentindo ameaçado pelo brilho de cetim de tuas pétalas, teus pianos, tuas primaveras e as cores rubras para as quais você dá um tom especial. E, assim, isto foi tudo o que eu não soube dizer sobre a tua poesia.

Paulo Venturelli
Jornal do Estado
24/05/2004





esse meu livro "TUDO QUE NÃO SEI SOBRE O AMOR" está completando 10 anos! é um pré-adolescente... rsrs... e pra comemorar, agora está disponível o download gratuito do CD que acompanha o livro, com os violões flamenco do meu irmão mais velho Luciano Romanelli:

porque há um excesso de céu nos olhos seus deixei
amanhecer páginas em branco sobre a neve para te conhecer.
porque há um excesso de céu nos olhos seus todos os nomes
do amor escrevi para te esquecer.

porque há um excesso de céu nos olhos seus noite a noite
tenho que te perder em tudo que for preciso. porque há um
excesso de céu nos olhos seus entendi que para as magnólias só o sentir tem sentido.

porque há um excesso de céu nos olhos seus de manhã li
lírios em teus delírios. porque há um excesso de céu nos olhos
seus de tarde vi verdade nas violetas.

porque há um excesso de céu nos olhos seus sei que se
temos uma crise depois temos crisântemos. porque há um
excesso de céu nos olhos seus ontem enterrei todos os
cadáveres das flores que a florista não quis.

porque há um excesso de céu nos olhos seus ignorei rasguei
todas as cartas que o outono me mandava. porque há um
excesso de céu nos olhos seus agora o inverno jamais irá saber meu endereço outra vez.

porque há um excesso de céu nos olhos seus um telefonema
me despertou no meio da noite. era a primavera apreensiva e
ofegante. uma primavera repleta de relógios hesitantes.

porque há esse excesso de céu nos olhos seus um telefonema me despertou no meio da noite no meio da manhã no meio da tarde. era a primavera. e eu disse

sim.

http://fernandokoproski.bandcamp.com/album/tudo-que-n-o-sei-sobre-o-amor

from tudo que não sei sobre o amor, released 09 December 2003
poem by fernando koproski
from his book "TUDO QUE NÃO SEI SOBRE O AMOR"

fernando koproski - voz
luciano romanelli - violão

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

RISCO DE ESTRELA

sei que hoje de tarde
fumei as minhas esperanças
mas um sonho me deu um alarde
você poderia ainda me ninar
fazer da sua dança
perfeição que se fez verdade

mas sei que sou pouco
para a tristeza do copo
ser corpo e chorar
estrelas por toda parte

sei que posso ser mais que isso
amanhecer toda a cidade
mas lua, sinceridade
meu sol tem outro compromisso

ser noite e amanhecer num risco
enquanto pisco queimando saudade


Fernando Koproski e Alexandre França


terça-feira, 23 de julho de 2013

Hoje nevou em casa às 8 e meia da manhã, e então lembro o poema que escrevi para o especial “O dia da neve” da Gazeta do Povo de alguns anos atrás:

A NEVE

uns me perguntam
se a neve virá,
outros quando

a neve que eu vi
eu sei que virá
pois a neve eu sei
que aqui já está

às vezes me falam
de diferentes tipos de neve

para os esquimós
elas são:
aput
neve no chão,
gana
neve que cai,
piqsirpoq
neve que venta
e qimuqsuq
um monte de neve

não as conheço,
mas para mim
as neves também são
diferentes

e há muitas neves

a neve de sua pele
a neve desta página
a neve dos que
nunca mostram o coração
a neve no olhar depois
da queda do primeiro amor
a neve de tantas quedas
a neve precisa dos gestos dela
a neve do amigo
que se foi tão cedo
a neve de tantos cisnes
ignorados aos gestos dela

pois não poderia ser
senão neve
todo este frio
e suavidade

a neve das canções de Cohen
a neve dos mortos de Joyce
a neve das canções
para não morrer

a neve dos que
não são estas canções

mas mais que a neve,
a certeza da neve
a certeza de que há colinas,
vales
e montanhas
de páginas em branco
me esperando

pois na certeza
imperecível
das páginas nevadas,
a certeza
de que nenhum destes longes
precisa do que escrevo

a certeza de que a neve
dessas páginas
seja incorrompível
aos versos meus

não importa
se dúvida
nas canções,
colinas
e cisnes dos gestos dela,

ainda assim esta certeza:

a certeza de que
nenhuma dessas neves
precisa do que escrevo,

apenas de mim


FERNANDO KOPROSKI



segunda-feira, 22 de julho de 2013


BEIJO

um beijo seu
é apenas um beijo
beija apenas
o que seja beijo
o que apenas
um beijo deseje
um beijo seu
é apenas um beijo
beija apenas o que
em beijos se beije

um beijo seu beija
o que bem te vê
o que bem te ouve
o que te beethovens

um beijo assim
não devia ser
apenas beijo
devia ser escrito
de outra forma
ou ao menos
de outro jeito
mais comum
um beijo seu
devia ser escrito:

fly me to the moon

um beijo para Ingrid 
do 
Fernando



segunda-feira, 15 de julho de 2013

Em busca de Curitiba | Fernando Koproski

Um poeta deve matar


a poesia não está no que os poetas dizem
a poesia não está no que os poetas falam em suas poéticas
a poesia não é o que eles pensam
que os poemas pensem


Não posso ficar parado que já começo a pensar. Depois de quarenta minutos de trânsito, finalmente desço do ônibus. Até que enfim o terminal do Guadalupe, esse mictório onde desemboca todo o intestino de Curitiba... Traficantes, prostitutas, assaltantes e alunos de letras, toda a marginália num raio de três quadras converge pra cá. E arrasta em seu curso as senhorinhas honestas, as diaristas, as moças de família, os porteiros, os representantes comerciais, os vigias noturnos, os estudantes de outros cursos e toda sorte de cidadão honesto que precisa pegar um ônibus se quiser uma hora voltar pra casa.

Depois de três quadras, começo a andar pelo calçadão. A reitoria está aqui do lado, mas antes de chegar lá preciso fazer uma coisa. Agora só faltam umas quinze ou vinte quadras pra te encontrar, Morte. E não estou armado, não ainda.

1

a poesia muito menos
é o que as musas sentem
a poesia muito mais
do que os poetas pressentem
após passar a noite,
o que mais meu verso invente
bebendo poemas como se fosse blues
quem disse que é poesia esse bafo de luz
que por onde passam, as musas mentem? 




Não posso andar que já começo a pensar. Isso sempre acontecia comigo quando andava pela XV. Passava meia-hora andando de casa até a universidade e não via ninguém. Muitas vezes um conhecido dizia depois que havia me
cumprimentado, mas eu nem respondia. O pior é que era verdade, sempre fui distraído. Me distraía a cada momento que passava no calçadão. Às vezes porque estava simplesmente olhando uma cena, às vezes porque estava escrevendo de cabeça um poema, mas nem sempre eu pensava em poesia, nem sempre eu escrevia. Muitas vezes era só a poeira girando dentro da minha cabeça, provocando algum pensamento afogado na inércia daquele mar de neurônios condenados à neura da repetição... Como eu disse, muitas vezes era só a poeira girando dentro da minha cabeça, se levantando, pairando e depois lentamente se assentando novamente.

Mas se nessa hora em que as micropartículas de pó levitassem, de repente abrisse uma réstia de luz na minha cabeça, e uma lasca de sol entrasse sem ser convidada, eu já sabia: era poesia. Por um instante, eu podia até pensar que era uma epifania, tipo um acúmulo de nuvens douradas guardadas no fundo do crânio, mas no íntimo eu sabia que isso jamais existiria, ou se existisse, francamente não resistiria. Porque no fundo da cabeça era simplesmente poeira, dourada ou não, mas ainda poeira e talvez o início de uma poesia.

De qualquer forma, sempre que isso acontecia entrava num impasse: ou escrevia o que me vinha ou ignorava a magia. Mas você já fez isso algum dia, você já ignorou a poesia?

O dia em que ignorei a poesia: 21 de maio de 2009.

, ela estava comigo naquele dia. Seis da tarde. Ela tinha acabado de sair da aula de dança flamenca. Suas pernas brancas mal se continham dentro da meia-calça roxa. Os sapatinhos de boneca realçavam ainda mais a delicadeza dos pés. A sainha preta ficava agitada diante de minha presença e se rebelava ao vento, inaugurando belezas imprevistas na linha de cintura que a suavidade de seus gestos não compreendia, só intuía entre os seus passos de quase dança e os canteiros improvisados de pétalas de ipês amarelos caídas ao chão.

Mariana tinha 26, um pai alcoólatra, uma mãe doente, um irmão carente e uma série de tios e tias ausentes. Ela fazia música na faculdade de artes, queria ser pianista, tocava desde os quatro anos. A dança era mais uma transpiração do que uma ocupação. Era como a poesia pra mim: um suor da alma. Era algo tão natural e certo e irremediável que parecia não exigir dela nenhuma espécie de esforço para acontecer. Ela dançava não porque ambicionava isso, mas porque a dança era simplesmente sua moradia nas coisas que ela sabia e seu caminho para tudo que ela desconhecia. Sim, quando vinha na minha direção naquele fim de tarde, ela dançava pra mim belezas imprescindíveis de jasmim.

Mas a caminhonete importada avançou o sinal naquele instante. Poderia ter sido um minuto depois ou um minuto antes. Mas não. Tinha que ser naquela hora em que ela se virou pra sorrir pra mim, anunciando com os olhos verdes o seu abraço de jasmim. A caminhonete prensou seu corpo frágil violentamente contra o poste, esmagando pétalas de ipês, e roubando de mim para sempre aquele abraço delicado.

Eram seis da tarde quando meu mundo caiu. Sem boleros de Maysa, sem falsa poesia, sem chance de chegar à enfermaria.

Agora vocês já sabem porque estou aqui, porque peguei um ônibus em São José dos Pinhais quarenta minutos atrás, porque passei pelo Guadalupe mais uma vez, porque não fui direto pra reitoria, porque andei vinte quadras no calçadão da XV pra comprar aquela pistola na Cruz Machado. Por causa disso: um poeta deve morrer, mas antes um poeta deve matar. Sim, um poeta deve matar.

sonho com você dançando,
o sol em mais uma explosão solar,
os girassóis estourando com o calor,
a verdade absurda
de tuas coxas durinhas
dançando entre os canteiros dourados
improvisados pelas pétalas caídas dos ipês

sonho com você dançando, Mariana
e esse poema arrebentando a tarde
sem você perceber


Já não tem mais sol quando chego na universidade. A escadaria da reitoria está suja e escura como sempre. A cantina, sempre clara e branca, insuportavelmente branca como aquela sala branca, pálida e silenciosa no final do 2001 do Kubrick. Pure white nothingness, o puro e branco nada. Vejo ele no canto, já tinha saído da sua aula de francês. Ele, o cara que atropelou Mariana a 160 quilômetros por hora numa via urbana. Ele, o cara que matou o meu amor e que saiu ileso dos dois processos que abri contra ele. Ele era um cara muito sensível, fazia Letras francês na Federal, pintava quadros, fazia exposições e volta e meia se engajava em alguma causa igualitária em prol das minorias, tão sensíveis e oprimidas quanto ele.

Agora ele estava ali, esperando sentado pela morte. Quem sou eu pra desapontar o infeliz? Entre as mesas brancas, eu ando devagar e todo o barulho dos estudantes de repente se cala. Quando chego na frente dele, saco a pistola gelada em meu casaco e nem hesito: três, quatro, seis, sete, oito tiros no peito. E no final, um na cabeça. De saideira.

O último nem precisava, mas nunca fui de dispensar uma saideira.

Depois que apaguei o infeliz, demorou dez minutos pra aparecer um guardinha. Embora a guarita estivesse ao lado da cantina, ele não teve coragem de ver o que acontecia. Quando ele chegou na cena, eu já estava longe. Já estava longe daquela branquidão. Finalmente, consegui arrancar aquele silêncio de dentro da cabeça. Depois de duas quadras, andava pelas ruas e tudo estava tão calmo. Olhei minhas mãos e elas estavam douradas. Um líquido quente e dourado escorria entre meus dedos.

Entrei com pressa no terminal e fui direto pro banheiro. Lá deu pra ver melhor, e não era nada bom. O dourado vinha da minha nuca e descia rápido pelos ombros, pingando pelos cotovelos, escorrendo pelos braços e por fim se denunciando em minhas mãos.

A bala deve ter entrado bem na base do crânio, enquanto eu descia a escada da reitoria. Por isso eu já esperava, alguém covardemente me cuspindo uma morte pelas costas. Tanto a bala, quanto uma morte ou duas já eram esperadas. Só não esperava todo aquele dourado escorrendo da minha nuca. Aquilo, confesso, é o que me incomodava agora.

2O tempo todo em que fiquei em tratamento psiquiátrico naquela clínica, onde me internaram depois da morte de Mariana, todos diziam que as nuvens douradas eram alucinação da minha cabeça, que eu só precisava ficar ali mais uma semana e tudo iria se resolver. Era só ter paciência e descansar mais uma semana e mais uma semana e mais uma semana.

Com certeza, os psiquiatras não acreditavam no dourado, apenas fingiam que ouviam quando eu falava sobre as nuvens douradas depositadas no fundo de meu crânio, pressionando a nuca e me dando aquela contínua dor de cabeça. Diziam que isso era um simples efeito colateral da fluoxetina, devido ao excesso de serotonina liberado em meu cérebro. Mas não era com eles que isso acontecia. Não eram eles que tinham aquela insuportável dor de cabeça todo dia às 4 da madrugada, me fazendo acordar e escrever. E então era só isso o que eu fazia: eu escrevia e escrevia e escrevia até que as nuvens douradas se aquietassem dentro da cabeça. Era o cúmulo eu um homem crescido com todos aqueles cúmulos-nimbos dourados varrendo poeira da cabeça e versos das minhas veias.

Mas agora a bala já estava fazendo efeito. A bala conseguiu realizar o que as drogas e as sessões de terapia falharam. Ela tirava aquele excesso de céu dourado da minha cabeça.
Olhei no espelho uma última vez e saí.

Agora estava tudo branco naquela noite escura. Mesmo sob as lâmpadas queimadas do terminal, tudo estava claro. A claridade me atingiu primeiro na perna, depois no braço esquerdo, duas vezes no pulmão. Respirar com tanta claridade estava ficando difícil. Pus a mão no casaco à procura de meus óculos escuros, mas eles deslizavam de minhas mãos. Estavam escorregadios e completamente ensopados de dourado.

Mesmo assim, ainda consegui pôr meus óculos. Mariana, você precisava estar aqui pra ver essa noite. Estou pingando pétalas de ipês pelos cotovelos. O dourado dos ipês me esquenta como teu beijo e o sangue do girassol. Ah, Mariana, essa noite pode até escurecer até eu te alcançar, mas depois as nuvens douradas vão fazer sol.

Fernando Koproski é escritor e poeta. Traduziu e organizou antologias poéticas de Charles Bukowski e de Leonard Cohen. É autor de Nunca seremos tão felizes como agora (7 Letras), entre outros livros.

Ilustrações: Felipe Rodrigues

PUBLICADO NO CÂNDIDO #24, JORNAL DA BIBLIOTECA PÚBLICA DO PARANÁ, JULHO DE 2013

terça-feira, 2 de julho de 2013

rod

hoje faz 4 anos que meu amigo Rodrigo partiu. esse é o poema que fiz pra ele na época:

POEMA PARA RODRIGO DE SOUZA LEÃO

meu amigo se foi
e levou consigo
mais que um amigo

ele levou a ousadia de fotografar
o silêncio suave e selvagem dos aquários
a coragem de mergulhar fundo
em suas imagens de delírio exato

meu amigo só não foi sensato
ao voltar pra superfície das páginas
a fim de nos fazer respirar
poemas verdadeiros
e toda aquela loucura lúcida de seu romance

meu amigo foi insensato
ao ser generoso
e compartilhar conosco
suas mais puras
e belas anêmonas de sangue

ele foi digno,
ousado, corajoso, verdadeiro e generoso
e como se isso tudo não fosse o bastante
ele também foi um grande poeta
que agora deixou:

toda a poesia brasileira estanque
seis perfurações azuis em meu peito
os livros livres para queimar
fora das estantes

em seus últimos poemas
meu amigo já dava pistas de seu mais novo plano
– fotografar cada um dos aquários
do fundo do oceano –

tanto que no dia 2 de julho de 2009
rodrigo tirou o escafandro do armário
e partiu

para outras águas

para definir essa dor, meu amigo,
tudo que eu não preciso são palavras


Fernando Koproski




terça-feira, 11 de junho de 2013

ESTILO

estilo é a resposta para tudo –
um novo jeito de encarar algo estúpido ou
perigoso.
é preferível fazer algo estúpido com estilo
do que fazer algo perigoso
sem estilo.

fazer algo perigoso com estilo
isso é o que eu chamo de arte.

a tourada pode ser uma arte
boxe pode ser uma arte
amar pode ser uma arte
abrir uma lata de sardinhas pode ser uma arte.

nem todos têm estilo.
nem todos conseguem manter o estilo.
já vi cães com mais estilo do que homens
embora nem todo cão tenha estilo.
isso os gatos têm de sobra.

quando Hemingway estourou seus miolos na parede
com um tiro
aquilo foi estilo.

ou às vezes as pessoas te oferecem estilo.

Joana d’Arc tinha estilo
João Batista
Cristo
Sócrates
César,
García Lorca.

conheci homens na cadeia com estilo.
conheci mais homens na cadeia com estilo
do que os que conheci fora da cadeia.

estilo é o que faz a diferença,
um jeito de realizar,
um jeito de estar realizado.

6 garças paradas numa lagoa
ou você saindo nua do banheiro
sem me
ver.

Poema: Charles Bukowski
Tradução: Fernando Koproski
do livro
AMOR É TUDO QUE NÓS DISSEMOS QUE NÃO ERA (7 Letras)




segunda-feira, 3 de junho de 2013

O MILAGRE

trabalhar com uma forma de arte
não significa
vadiar como uma solitária
de barriga cheia,
tampouco justifica grandeza
ou ganância, nem sempre
seriedade, mas acho
que ela chama os melhores
em sua melhor fase,
e quando eles morrem
e algo mais não,
presenciamos o milagre da imortalidade:
homens vêm como homens,
partem como deuses –
deuses que nós sabíamos aqui,
deuses que enfim nos fazem continuar
quando tudo o mais dizia parar.

Poema: Charles Bukowski
Tradução: Fernando Koproski
do livro ESSA LOUCURA ROUBADA QUE NÃO DESEJO A NINGUÉM A NÃO SER A MIM MESMO AMÉM (7 letras)

http://www.livrariascuritiba.com.br/essa-loucura-roubada-que-nao-desejo-a-ninguem-autores,product,LV314866,3406.aspx