KOPROSKI, POETA
Eu quero fazer uma resenha crítica a respeito do livro tudo que não sei sobre o amor, de Fernando Koproski. Sento-me à mesa (percebam a expressão séria), tomo o livro e começo a ler. A intenção é ir da primeira página à última. Impossível. Assim que leio um texto, minha cabeça começa a pulular e é como se se instalassem lá dentro todos os trapézios do mundo, em dança louca, em acrobacias arrojadas. Ou, então, parece que um jardim cheio de bulbos passa a deitar raízes em várias direções e florescer com cores, tons e matizes os mais variados.
Resumindo a situação: ler um texto de Koproski me faz escrever - eu deslizo da leitura crítica para a fruição estimulante da criação, como se os escritos do poeta abrissem porteiras de mundos até então ignorados.
Comentei a situação com um amigo meu e ele deu o conselho: não leia o livro do princípio ao fim, não faça uma simples resenha, escreva sobre estes efeitos que os textos provocam em você. A idéia me agradou e estou aqui curtindo estas mal traçadas linhas.
O que o livro de Fernando Koproski tem de especial? Tudo: dicção própria, originalidade, criação de imagens inesperadas, lirismo pungente que destoa da literatura mercadológica, ritmo sincopado para uma emoção que não se esparrama, porque é filtrada pela razão, pela construção do poema como objeto de linguagem, ousadia em escrever sobre sentimentos que os pós-concretistas haviam condenado e, junto disso, crença no verso e na palavra como mundos moldáveis para se expressar uma visão, um dado ângulo, a captação de uma cena que vem tingida com a carpintaria que parece solta, mas é rigorosa.
A poesia brasileira das últimas décadas tornou-se insuportável. Não sei se é pós-concretismo ou neoconcretismo, mas todo mundo rasteja sob o fetiche da síntese, e o resultado final é uma poesia despersonalizada, sem visão e discursos próprios. Você lê 50 livros e parece que eles foram escritos pelo mesmo autor, já que grande parte dos escritores caminha pela mesma técnica ou pela mesma falta de. E aqui em Curitiba há outra praga: impulsionados pelo sucesso de Leminski, os poetas das novas gerações se agarram ao haikai como o náufrago se pendura em qualquer coisa que mantenha sua cabeça fora da água.
Koproski, com muita personalidade, foge destas ciladas e, tenho certeza, encontrou a solução para a crise de esterilidade que grassa por nossos poetas. E o que mais me estimula é que ele é jovem. Se não vacilar, se não se entregar a modismos, se insistir em manter-se no caminho aberto, aprofundando-o, será em breve um de nossos grandes poetas. E grande poeta, para mim, é aquele que, ao ser lido, me nutre, faz as engrenagens da mente funcionar, lubrifica os labirintos, distende as asas, abre todos os olhos do corpo, empurra para a beira do abismo e diz: está aí o desafio, o começo da meada, crie. O livro de Koproski, que a todo momento abro a esmo, tem este condão mágico de me tirar do comezinho e me pôr cara-a-cara com o deslumbramento e produzir. Para mim é o que vale. E se leio tanto é justo para encontrar esta estimulação alcoólico-poético-musical-modular e ser empurrado para a página em branco, onde o bicho pega.
Sei que Fernando não gosta de mim por razões que são lá suas. Não acho isso um desastre. As antipatias também são matéria de vida. Mesmo assim e talvez até por isso, faço uma declaração de amor ao livro dele: é uma fonte onde beberico para voar alto.
Não consegui fazer uma resenha e também isso não importa. Ás vezes, na vida, é melhor deixar o formalismo de lado e dizer: cara, você é excelente, teu livro me faz vibrar e quando te criticarem, na tentativa de tirar o valor do teu trabalho, ignore. É voz de alguém que está se sentindo ameaçado pelo brilho de cetim de tuas pétalas, teus pianos, tuas primaveras e as cores rubras para as quais você dá um tom especial. E, assim, isto foi tudo o que eu não soube dizer sobre a tua poesia.
Paulo Venturelli
Jornal do Estado
24/05/2004
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