Leonard Cohen: o artesão da
palavra
Nova
coletânea do canadense Leonard Cohen, 'A Mil Beijos de Profundidade' revela as
várias facetas do poeta.
20/01/2017
A morte
de Leonard
Cohen (1934 – 2016) em novembro pegou a todos de surpresa. O cantor,
compositor, prosador e poeta canadense acabara de lançar o disco You Want
it Darker, que acabou se revelando um verdadeiro e belo canto do cisne. Seu
último livro publicado foi Book of longing, de 2006, no qual faz uma
reflexão emocionante e crítica sobre sua carreira como músico e como poeta. E
são justamente os poemas dessa obra que compõem, em grande parte, a
coletânea A
Mil Beijos de Profundidade (7Letras, 182 páginas), organizada
pelo poeta e tradutor curitibano Fernando Koproski, responsável também pelo primeiro volume
poético de Cohen, Atrás das Linhas Inimigas do Meu Amor – que chega
agora à sua segunda edição.
Alguns
dos poemas são bem conhecidos: “Chelsea Hotel #2”, “So long, Marianne”, “Hey,
that’s no way to say goodbye”, “I’m your man”, “Hallelujah” e outros. Todos
eles se transformaram em canções imortalizadas pelo próprio Cohen e por uma
miríade de intérpretes – de Renato Russo à Lana del Rey. De versos conhecidos a
poesias confessionais, Leonard se mostrou um artesão da palavra, capaz de
esculpir versos por décadas. Uma anedota
contada por Sylvie Simmons, sua biógrafa, relata um encontro entre Dylan e
Cohen, por volta de 1985. O compositor norte-americano – trinta anos antes de
seu Nobel – pergunta a Leonard quanto ele levou para escrever “Hallelujah”, que
envergonhado responde apenas: “não demorou muito, apenas alguns anos”. Quatro
anos, na verdade. O embaraço fazia sentido: Dylan revelara que havia precisado
de 15 minutos no banco de um táxi para criar “I & I”.
De versos
conhecidos a poesias confessionais, Leonard se mostrou um artesão da palavra,
capaz de esculpir versos por décadas.
Todo esse
rigor fica muito claro nas linhas esculpidas de “Vai livrinho” (“Go little
book): “Vai livrinho/ E se esconda/ E tenha vergonha/ De sua irrelevância”. Ou
no poema que dá título para o livro e ganhou sua versão musical no álbum Ten
New Songs (2001), um mantra sobre a paixão e a devoção quase religiosa de
Cohen pela mulher amada. Como Koproski explica na apresentação, A Mil Beijos de
Profundidade reúne as muitas personas acompanharam Leonard por
toda a sua vida: o monge zen budista, o conquistador born in a suit, o
silencioso, o compositor e o diplomático. Ele transitou entre todas as formas
possíveis, quebrou convenções, estabeleceu padrões e, acima de tudo, foi um
grande devoto da beleza.
“Se isso
parece com um poema/ também posso te avisar desde o início/ que não era pra
ser./ Não quero transformar qualquer coisa em poesia”, adverte em “A Canção do
corno”. Por ironia, ou não, Cohen foi um verdadeiro exímio fazedor, fazendo
poesia do sublime e do banal – imortalizando sua relação com o divino e também
sua paixão por mulheres avassaladoras. E tudo isso, com uma elegância que se
tornaria uma espécie de epígrafe do autor.
Cinza
Pensar em
Leonard Cohen é refletir sobre o valor do verso, sobre a potência da poesia e a
importância do fazer poético. Dizia que a poesia era uma evidência da vida: “se
tua vida alimenta o fogo, a poesia é só a cinza”. No entanto, essa mesma cinza
é sagrada, como uma cremação, e é jogada ao mundo pelo poeta. É com o vento que
ela ganha asas e alimenta, retroalimenta a vida, e se transformando na lenha
que serve de combustível para o fogo.
Por
isso, A
Mil Beijos de Profundidade é tão importante, criando – mesmo
que por uma coincidência macabra – um belíssimo tributo a um homem que viveu
cada dia de sua vida pela e para a arte.
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