10. Esperando pelo milagre
Quando passei para o segundo ano da faculdade,
resolvi ser idiota mais uma vez. Não por cometer a mesma idiotice duas vezes
mas sim por ser idiota novamente. Isso são duas coisas bem diferentes, mas
mesmo um idiota como eu sabe diferenciá-las.
O motivo de eu ser um idiota? A poesia, é claro.
Mais uma vez a poesia... Naquela noite eu seria um idiota mais uma vez por
estar lançando dois novos livros de poemas. O primeiro, como diziam os
jornalistas, resumia meu “percurso poético” nos últimos quatro anos. Já o
outro, continha fragmentos de um longo texto em prosa, aos quais os críticos
brilhantemente decidiram por chamar de ‘poemas em prosa’. Na verdade, este era
o meu melhor texto até o momento. Tinha escrito ele em 26 noites ininterruptas
durante o mês de janeiro, ouvindo muito Bring
on the dancing horses do Echo and the bunnymen e quase furando o Lp do Leo
Cohen que tinha Waiting for the miracle.
E tanto esperei que o milagre veio, não como eu
esperava mas na forma de uma morena de olhos negros. Olhos feitos de noites
sempre foram os que mais me assustavam, pois na escuridão sem uma sequer lasca
de luz de olhos como aqueles eu sabia que seria aprisionado. Não bastava Lenora
ter os olhos negros e de relance, por cima da taça de vinho, olhar fixo pra luz
de meus olhos, não bastava ela ter testemunhado de longe minha luz naquela
noite fria de julho, ela queria mais, ela tinha que ter aquela luz só para ela,
arrancar o meu brilho de ponta de faca e aresta de estrela nem que fosse à
força.
Foi assim que ela começou, primeiro com uma
conversa bobinha, beirando o óbvio recorrente de mais uma noite de lançamento:
“Que bacana que você escreve... Sabe que eu também? Desde pequena eu
escrevo...” E depois me atingindo com eficácia, ao dividir comigo a mesma borda
da taça de vinho marcada com seu batom, enquanto disse: “E então, gostou do meu
gosto?”
Autografei uns cinquenta livros naquela noite,
revi velhos amigos e principalmente não reconheci a maioria dos que estavam
presentes. Embora fosse um lançamento só para amigos e familiares, começaram a
entrar uma série de desconhecidos no coquetel. É claro que o atrativo para
tantas mentes ávidas não era a minha poesia, mas sim as oitenta garrafas de
cabernet sauvignon que o garçon distribuía sem parcimônia pelo salão.
Vinho, poesia e aqueles olhos negros de Lenora:
só podia dar merda. E deu. Depois do lançamento, fomos pra casa de uma amiga
dela e entre uma tequila, dois conhaques e mais vinho, arrastei ela pro
banheiro. Enquanto os convidados aumentavam o som e a síndica interfonava
ordenando inutilmente pra baixar o volume, ela começou mordendo o canto da
minha boca. Lasca a lasca líquida que ela roubava de meus lábios, o som quente
de sua pele me atritava, me suavizava e me atritava com sua saliva novamente.
Queria um beijo dela por inteiro, mas isso ela não me dava. Só mordia minha
boca, fazendo eu derramar vinho na meia-taça do seu sutiã. Ela só mordia cada
vez mais forte minha boca, sorvendo vinho e conhaque da mucosa de meus lábios e
abrindo pétalas de licor de cereja entre meus dedos que agora nadavam devagar
em seu púbis com força e suavidade. Nem deu tempo de tirar a saia dela. De pé
mesmo, rasguei a meia-calça vermelha e afundei meus dedos, dois dedos, depois
três dedos dentro daquela pequena piscina quente e apertada de licor de cereja
que era a sua buceta.
E ali, sem querer, bati na torneira do chuveiro
que abriu molhando seus cabelos de leve. Foi quando olhei pra ela e vi que
estava perdido. Ela tinha ficado ainda mais bonita com os cabelos molhados...
Não deu outra, abri o chuveiro com tudo. E naquela noite fria, o chuveiro
quente molhou totalmente as nossas roupas. Segurei ela contra a porta do box e
meti com força, fixando ela no meu centro. Enquanto a água aquecia e se
esquecia entre nossos lábios, ela gritou em silêncio no meu ouvido, mordendo em
meus lábios o orgasmo mais lindo que ela teria, um puro livro de poemas que eu
jamais tinha visto. Minhas pernas cederam junto com as pernas dela e nós caímos
no chão do banheiro. Ela se ajoelhou sobre mim, as suas coxas em cima do meu
peito, e enquanto a água ainda nos conduzia lentamente pela correnteza quente
do sol líquido da madrugada que nos liquefazia, nos desmanchava e nos preenchia
de prazer, ela disse: “Poe, seu louco...”
Eram duas da manhã e a festa estava no auge.
Trinta pessoas num apartamento minúsculo cantando Blur. Song 2, é claro.
Lenora não pediu e nem quis me dar seu telefone.
Ela foi embora depois de emprestar umas roupas da dona do apartamento, e eu
fiquei no banheiro até às quatro e meia, tentando inutilmente secar, com o
secador de cabelo da anfitriã, as minhas roupas.
Com três livros publicados, a roupa encharcada,
o gosto de um beijo machucando de leve a boca, e um tinto seco pela metade no
meio de toda aquela inundação que foram as coxas de Lenora, eu pensei: “Poesia,
eu fui feito pra você, ainda que você não tenha sido feita pra mim!”
Fernando
Koproski
do romance CRÔNICA DE UM AMOR MORTO (livro 2 da série “A complicada beleza”) Editora 7Letras
do romance CRÔNICA DE UM AMOR MORTO (livro 2 da série “A complicada beleza”) Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/cronica-de-um-amor-morto-aut-paranaense-lv395564/p
A TEORIA DO ROMANCE NA PRÁTICA (livro 3 da
série “A complicada beleza”) Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/teoria-do-romance-na-pratica-a-aut-paranaense-lv395565/p
NARCISO PARA MATAR (livro 1 da série “A
complicada beleza”) Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/narciso-para-matar-aut-paranaense-lv395563/p
RÉU CONFESSO
fui viciado
20 anos nessa droga,
a droga da
beleza
e isso não
só me causou dependência
mas uma
série de outros efeitos colaterais
recorrentes
tais
como falta
de ar,
arritmia,
alergia à
objetividade,
distração,
miopia,
falta de
atenção,
cinema,
sonoplastia,
livros de
poesia
e canção
sim, senhores
e senhoras,
respeitáveis
membros do júri
e fiéis da
igreja da insensibilização,
diante de
vocês,
confesso
essa inaptidão:
a droga da
beleza
me causou
problemas neurológicos
irreversíveis
no coração
Fernando
Koproski
do livro A TEORIA DO ROMANCE NA PRÁTICA (livro 3 da série “A complicada beleza”) Editora 7Letras
do livro A TEORIA DO ROMANCE NA PRÁTICA (livro 3 da série “A complicada beleza”) Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/teoria-do-romance-na-pratica-a-aut-paranaense-lv395565/p
Cena 84 – O
narrador e sua esposa Maria
Quase
diálogo no café da manhã
– Penso em
escrever um romance com essa dedicatória: “para o jardineiro, o músico, o
viajante, o sonhador e o caçador”.
– Mas você
tem uma história pra escrever?
– Não. Acho
que não. Só sei que tive uns sonhos estranhos essa noite.
– Que tipo
de sonho?
– Não sei.
Parece que eu era um jardineiro ou eu sonhei que era um jardineiro. Na verdade,
sonhei que era um jardineiro sonhando que era um girassol... Sacou?
– Não. Não
mesmo.
– Era um
sonho louco, ah, tive um monte de sonhos doidos, Maria. No meio de um deles, eu
encontrava um livro. Abria ele, mas a maioria das páginas estava arrancada. E
as poucas que sobraram ou estavam em branco ou rasuradas.
– De quem
era esse livro?
– Acho que
era um livro meu que eu nunca escrevi. Sei disso porque no sonho eu lia o
título: Narciso para matar. Mas nunca escrevi nada com esse título.
Fernando
Koproski
do romance NARCISO PARA MATAR (livro 1 da série “A complicada beleza”)
do romance NARCISO PARA MATAR (livro 1 da série “A complicada beleza”)
Apresentando
duas cenas do meu romance NARCISO PARA MATAR:
CENA 4 – O
ESCRITOR NO ESCRITÓRIO
Penso em
criar uma musa para meu poeta
Uma musa só
para fazer ele sofrer
Porque
poeta que não sofre não é poeta
Assim já
dizia meu tio Elvis, um profeta
Elvis dizia
de um jeito que ele nunca cantou
“Quem nunca
pensou em morrer
Quem nunca
quis se matar, morrer de amor
Ah, nunca
vai saber o que é viver”
Assim falou
Elvis: “se um dia você acordar sem
Problemas,
achando que tudo está bem
Pega um
martelo, mas o que tiver à mão
E mira bem
no meio do teu dedão”
“E
arrebenta ele, sem dó nem piedade!”
– Mas por
que fazer isso, tio Elvis?
“Porque
poeta não foi feito pra ser feliz
Esqueça a
felicidade, poesia não é caridade”
Poesia tem
mais a ver com verdade
Já a beleza
é só uma forma de anestesia,
Algo pra
despistar o leitor da realidade
Antes de
sentir na veia o baque da poesia
CENA 9 –
CRIANDO UMA MUSA
Com essas
candidatas à musa
Não há como
ter inspiração
O poeta
arregaça a manga da blusa
E tira uma
carta do coração:
Uma musa
para um poeta
Não precisa
posar de puta
Com as
pernas sempre abertas
Uma musa
para um poeta
Não precisa
posar de pura
Ou ler suas
obras completas
Uma musa
para um poeta
Precisa ser
mais que a chuva
Lavando
lágrimas pontiagudas
Uma musa
para um poeta
Precisa ser
mais que música
E sonhos
para sua armadura
Uma musa para
um poeta
Não precisa
ler tratados de estética
Ou ter
mestrado em cosmética
Uma musa
para um poeta
Precisa
antes de tudo ser uma mulher
Incomparável,
exatamente igual a outra qualquer
Uma musa
para um poeta
Precisa ser
todo amor e toda a morte
que há
dentro de uma mulher
Uma musa
para um poeta
Precisa
ter, se você tiver muita sorte,
Um antídoto
pra essa morte na mesma mulher
Fernando Koproski
do romance NARCISO PARA MATAR
(livro 1 da série “A complicada beleza”) Editora 7Letras
COMO PUDE DUVIDAR
Parei
de procurar por você
Parei
de esperar por você
Parei
de morrer por você
e
comecei a morrer por mim
Envelheci
rapidamente
Engordei
no rosto
e
criei barriga
e
esqueci que algum dia te amei
Eu
fiquei velho
Não
tinha um objetivo, nenhuma missão
Ficava
à toa comendo e comprando
roupas
cada vez mais largas
e
esqueci porque eu odiei
cada
longo momento que cabia a mim preencher
Por
que você voltou pra mim essa noite?
Não
consigo nem levantar da cadeira
As
lágrimas escorrem por meu rosto enfim
Estou
apaixonado de novo
Eu
posso viver assim
poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
do livro A MIL BEIJOS DE PROFUNDIDADE (2ª antologia
poética de LEONARD COHEN) Editora 7Letrashttp://www.livrariascuritiba.com.br/mil-beijos-de-profundidade-a-aut-paranaense-lv409219/p
CASA,
COMIDA E ROUPA ENCARDIDA
a
poesia não me deu casa,
comida, nem roupa encardida
poesia, eu vesti tua camisa
comida, nem roupa encardida
poesia, eu vesti tua camisa
arregacei
as mangas dos versos
fiz coisas que de tanto duvidar
até deus acredita
fiz coisas que de tanto duvidar
até deus acredita
escrevi
com sangue, coração
e o que mais estivesse à mão
até com o que meu ódio ojeriza
e o que mais estivesse à mão
até com o que meu ódio ojeriza
poesia,
eu vesti tua camisa
mas você não me deu casa,
comida, uma passagem pra Ibiza
mas você não me deu casa,
comida, uma passagem pra Ibiza
te
dei meu corpo, alma e musa
mas você ainda abusa
e pede mais do que precisa
mas você ainda abusa
e pede mais do que precisa
até
hoje não me deu
nem um pastel de vento
mas quer que eu viva de brisa
nem um pastel de vento
mas quer que eu viva de brisa
Fernando
Koproski
do livro RETRATO DO ARTISTA QUANDO PRIMAVERA (livro 2 da trilogia “Um poeta deve morrer”) - Editora 7Letras
do livro RETRATO DO ARTISTA QUANDO PRIMAVERA (livro 2 da trilogia “Um poeta deve morrer”) - Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/retrato-do-artista-quando-primavera-7-letras-lv341627/p
RETRATO DO AMOR QUANDO VERÃO, OUTONO E INVERNO
(livro 3 da trilogia “Um poeta deve morrer”) - Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/retrato-do-amor-quando-verao-outono-e-inverno-7-letras-lv341626/p
NUNCA SEREMOS TÃO FELIZES COMO AGORA (livro 1 da
trilogia “Um poeta deve morrer”) - Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/nunca-seremos-tao-felizes-como-agora-7-letras-lv244140/p
CORAÇÃO E MENTE
inexplicavelmente
estamos sós
sós
para sempre
e
era pra ser
desse
jeito,
não
era pra ser
jamais
de outro jeito –
e
quando a luta com a morte
começar
a
última coisa que quero ver
são
rostos
de pessoas rodeando
sobre
mim –
melhor
apenas meus velhos amigos,
as
minhas próprias muralhas,
que
apenas eles estejam lá.
eu
fui só mas raramente
solitário.
saciei
minha sede
na
fonte
que
há em mim mesmo
e
este foi um bom vinho,
o
melhor que já provei,
e
essa noite
sentado
olhando
pra escuridão
agora
finalmente compreendo
a
escuridão e a
luz
e tudo que há
entre
elas.
chega
uma paz no coração
e
na mente
quando
aceitamos o que
há:
ao
nascer
nessa
vida
estranha
nós
temos que aceitar
o
desperdício de aposta que são os nossos
dias
e
obter alguma satisfação no
prazer
de
deixar
isso tudo
para
trás.
não
chore por mim.
não
sofra por mim.
leia
o
que escrevi
depois
esqueça
tudo.
beba
da fonte
que
há em você
e
comece
de
novo.
poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski
do livro MALDITO DEUS ARRANCANDO ESSES POEMAS
DE MINHA CABEÇA (antologia poética de CHARLES BUKOWSKI) Editora 7Letras
http://www.livrariascuritiba.com.br/maldito-deus-arrancando-esses-poemas-de-minha-cabeca-aut-paranaense-lv386681/pEsse site italiano postou o poema "lovers" do Leonard Cohen em diversas traduções (italiano, húngaro, espanhol). Junto a essas, está a minha tradução "Amantes", que faz parte do livro ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR.
Une
grande base de données des chansons contre la guerre
ANTIWARSONGS.ORG
https://www.antiwarsongs.org/canzone.php?lang=fr&id=53779ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR
http://www.livrariascuritiba.com.br/atras-das-linhas-inimigas-de-meu-amor-aut-parana-lv220048/p
A MIL BEIJOS DE PROFUNDIDADE
http://www.livrariascuritiba.com.br/mil-beijos-de-profundidade-a-aut-paranaense-lv409219/p
Nenhum comentário:
Postar um comentário