quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/12/1846023-ligacao-entre-letra-de-musica-e-poema-e-radical-em-antologia-de-cohen.shtml

Ligação entre letra de música e poema é radical em antologia de Cohen

LEONARDO GANDOLFI
ESPECIAL PARA A FOLHA DE SÃO PAULO
31/12/2016  02h42

"A Mil Beijos de Profundidade" traz os versos de Leonard Cohen em tradução e seleção de Fernando Koproski. É a segunda vez que o curitibano traduz Cohen, a primeira foi em 2007 na coletânea "Atrás das Linhas Inimigas de meu Amor" (7Letras).

A nova antologia tem dois núcleos. O primeiro é dedicado às canções-poemas, numa reunião de hits, com versões que não estão longe da fluidez do texto em inglês.

Já o segundo núcleo traz textos publicados em "Book of Longing", último livro do músico. Como as canções, os poemas escolhidos por Koproski ligam-se especialmente ao campo amoroso, aqui vasto e com muitos desdobramentos, entre eles, um autorreflexivo.

O poema "Outros Escritores" leva essa autorreflexão longe, porque nele o poeta se compara ao amigo Roshi, mestre zen que o acolheu durante anos em um mosteiro. É justamente depois desse paralelo com a vida monástica que surge no texto uma "jovem generosa" cujo zíper aberto da calça faz com que Cohen encoste diretamente na "fonte da vida".

Partindo ainda desse tom autorreflexivo, páginas depois leem-se versos assim: "No caminho da solidão/ Cheguei onde mora a canção/ e lá permaneci/ metade da minha vida". Certos poemas funcionam também como espaço de meditação sobre as canções, mas isso ocorre, é claro, sem hierarquia entre gêneros.

Nesse sentido, os dois trechos a seguir são uma boa ocasião para Cohen abordar como música e poesia se confundem na personagem do autor: "Tive o título de Poeta/ e talvez eu fosse um/ por um tempo". Mas, na sequência, é possível ver que etiquetas são provisórias e mudam como máscaras: "O título de Cantor também/ estava bem de acordo comigo/ embora/ eu mal conseguisse sustentar o tom".

O certo é que, aliando ironia a um misto de humildade e elegância, sua obra segue no encalço da beleza, podendo, com isso, desembocar numa consciência do malogro: "Meu tempo está acabando/ e eu ainda/ não cantei/ a verdadeira canção/ a grande canção".

Que o leitor não se deixe levar inteiramente por essa modéstia, pois Cohen teve verdadeiros e grandes momentos não só com sua "voz de ouro", mas também no silêncio dos poemas. Alguns deles estão na antologia.

Quanto à tradução, às vezes Koproski tem soluções felizes, às vezes, discutíveis. E isso faz parte do desafio que é traduzir boa poesia. Ainda mais quando se trata da confluência radical entre poema e letra de música.

Por falar em radicalidade, que bom encontrar os célebres versos de Cohen em que o rei Davi busca os acordes perfeitos de uma melodia impossível. Poucos foram capazes de um belo malogro como este: "Começa assim: a quarta, a quinta/ Uma nota desce, outra sobe, sinta/ Como o rei se complica compondo Aleluia!". 

A MIL BEIJOS DE PROFUNDIDADE 
Avaliação: ✶✶✶✶ Muito bom
AUTOR Leonard Cohen
TRADUÇÃO Fernando Koproski
EDITORA 7Letras
QUANTO R$ 45 (184 págs.)

http://www.livrariascuritiba.com.br/mil-beijos-de-profundidade-a-aut-paranaense-lv409219/p
ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR
http://www.livrariascuritiba.com.br/atras-das-linhas-inimigas-de-meu-amor-aut-parana-lv220048/p

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