A barca que levava pra ilha sacudia de forma
mais descompassada do que samba em pé de polaco, e Berenice enjoou de cara,
vomitando sem dignidade alguma por todo o passeio. Amadeo acendeu mais unzinho
para rebater e confirmar o balanço do thc na cabeça, enquanto eu deslizava
suavemente para o fundo do oceano daqueles olhos de maré tranquila de Aurora.
Como eu já ia notar, ali ninguém se ligava muito
em preparativos. Havia uma posada na ilha, que vivia lotada nessa época do ano.
Mas Amadeo conhecia uns nativos surfistas que nos emprestariam uma casa para
passar o fim de semana. Quando estava quase chegando, deu pra ver de longe que
a “casa” era uma cabana com algumas chapas de zinco no telhado presas por
pedras, latas velhas e diversos tocos de madeira e galhos de árvores. Mas quem
precisaria de telhas sob um céu como aquele? O céu da ilha não tinha nada a ver
com o céu de Curitiba, na verdade nenhum outro lugar tinha aquela lenta e
adiposa camada de névoas eternas depositadas sobre uma só cidade. A maior parte
do tempo Curitiba era aquela espécie de ralo entre as camadas de atmosfera para
onde toda a pluviosidade do Paraná escoava, isso era nítido nas imagens dos
telejornais na hora da previsão do tempo. Curitiba era um ralo para onde
escoavam as nuvens sujas de cinza e chuva. E como tal, como qualquer ralo de
banheiro, depois de escoar as águas ficava aquela espuma suja em cima que não
se desmanchava. Assim era a melancolia minha e de muitos mais naquela cidade. A
melancolia era aquela espuma suja que não ia embora depois da chuva, pois
ficava sobre nossos olhos, nos forçando a uma miopia lenta e letal.
Mas agora não estávamos mais em Curitiba. A ilha
tinha céu azul em cima, embaixo e por todos os lados. Não havia necessidade
alguma de se drogar com outra coisa que não fosse aquele céu, que piscava verde
e turmalina azul nos olhos de Aurora.
Fernando Koproski
no romance “CRÔNICA DE UM AMOR MORTO”
http://www.livrariascuritiba.com.br/cronica-de-um-amor-morto-aut-paranaense-lv395564/p
Nenhum comentário:
Postar um comentário