domingo, 13 de março de 2016

Eram três da manhã no Sheena, e eu já tinha preparado umas cinco margaritas no bar, sem que nenhum garçom tivesse percebido. Naquela época, eu costumava andar com meu kit drinques no porta-malas do carro. Tequila, contreau, sal, e até uns limõezinhos eram parte indissociável da minha caixinha de primeiros socorros. E lembrando que eram três da manhã de uma quinta-feira, você já pode supor que o bar estava lotado, deixando a Audrey, a única garçonete, deveras atarefada, o que justificava minha demanda em fazer drinques por baixo da mesa.

Só precisava de gelo, e por isso às vezes deixava a mesa pra descolar umas pedras no balcão. No cd player tocavam os primeiros acordes de Killing moon, quando ele disse “Mi menor e Dó maior, só isso e a envolvente perfeição de um nevoeiro avançando lentamente, porque a guitarra do Will Sargent é isso: um nevoeiro que ele prolonga nota a nota até envolver tudo”.

Amadeo desferia em sua guitarra imaginária até as notas do Will que só uma guitarra fretless alcançava. Era noite de lua cheia numa Curitiba de céu nublado e The Killing moon tocava de forma imperturbável para a maioria dos clientes, menos pra ele e pra mim. Me incomodavam demais aquelas notas flutuando baixo no meio da noite. Tanto que falei: “Cara, tenho que sair daqui. Tenho que ver a lua hoje de qualquer jeito”.

“Você vai ter que dirigir até a praia pra conseguir isso, pois está tudo fudido de cinza e nublado até o pé da serra,” ele disse. Alea jacta est, então pensei. Vou pegar três cervejas e andar até alcançar uma fresta de céu pra ver a lua. Quando saí do bar, já tinha acontecido o sinistro, uma árvore tinha caído em cima do meu carro destruindo o capô. Curitiba era uma merda mesmo, na noite da maior lua cheia do ano, tinha chovido, dado vendaval, chuva de pedra e sabe-se lá mais o quê ainda seria atirado em cima de nós. Tanto que já estava prestes a abandonar o veículo e voltar pro bar quando ele disse: “Cara, nós vamos pegar a estrada agora. Se tiver a fim, cai dentro”.

E assim eu fui pra praia no meio da madrugada, no meio da semana, no meio de um delírio, junto com Amadeo e outras duas gurias que sequer imaginavam pra onde estavam indo. Aurora e Berenice eram amigas de Amadeo que esperavam uma carona pra casa, o que significava transportá-las do Sheena Bar apenas umas cinco quadras e deixá-las em previsível segurança em seu pensionato. Mas previsibilidade era tudo que Amadeo não tinha. Ele tinha meio tanque de gasolina, um porta-luvas cheio de erva e uma fita dos Blues Brothers ao vivo. Era o que bastava.

CRÔNICA DE UM AMOR MORTO
Um romance de Fernando Koproski
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NARCISO PARA MATAR
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A TEORIA DO ROMANCE NA PRÁTICA
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