O sangue suja de raiva, ódio, indiferença. O sangue suja de beleza e
paixão. E de paixão em paixão mal curada, o sangue suja de compaixão e verdade.
O sangue suja o coração desse velho poeta na iminência da morte, quando ele vê
se formar o seu último inverno. O sangue
suja quando um amor vai embora. O sangue suja depois que elas, todas as
mulheres, já foram embora, e não há mais nada, só um velho, uma máquina de
escrever com as teclas gastas e um coração usado.
Mas o velho já sabe de tudo isso, todos os mecanismos poéticos e
antipoéticos pelos quais o sangue suja no dia a dia. Ele também já viu o sangue
sujar quando era jovem e intimava o barman a uma briga nos fundos do bar.
Quando os primeiros invernos pediam uísques puros, olhos puros e corações
limpos, o jovem Buk encontrava a Morte sempre a postos, bebendo sozinha no
balcão. Lá estava ela, sempre ela com aquela sede de sangue de poeta, mordendo
um beijo a cada poema sincero e mulher desonesta.
Assim é que o sangue suja, enquanto Deus arranca poemas de sua cabeça. Sim, o sangue suja e se lava nessa
poesia. O sangue suja as páginas de poesia – da maneira mais curta, mais bonita e mais explosiva
que se possa imaginar. Porque assim é a poesia do velho Buk: uma poesia clara,
verdadeira e imediata como um jab de
direita na cara do conformismo, um murro no estômago da indiferença, um soco no
saco da Morte.
Conforme traduzia esses poemas, sentia cada soco lírico vibrando na
carne, chamando o sangue à superfície da pele. Assim é que traduzi, num corpo a
corpo imprescindível com a página, pondo a língua materna pra lutar com a
estrangeira lá naquele beco, onde tudo de fato acontece, nos fundos do Bar das
Poéticas Contemporâneas.
Assim é que sujei também meus punhos com esse sangue, esmurrando as
paredes surdas aos poemas, percebendo as nossas vidas como um mero buquê de sangue enquanto se espera por
um amor, um sonho, o súbito clarão da
palavra, ou pelo menos a manhã seguinte. Porque nós somos essa espera, e às
vezes o que resta é ver como a loucura
flutua na lagoa ou como caminhamos desajeitados
em direção ao Nirvana, enquanto o sol
comanda a misericórdia.
Mas isso não é motivo pra desistir. Como diz o autor, essas são as noites em que você luta melhor. Por
isso, quando entrar nesse livro, não precisa se esquivar da Morte ou fingir
ficar indiferente. Nos fundos daquele bar, o autor te espera para uma luta de
15 assaltos, ou melhor, 60 poemas... Mas você não precisa ter medo de ver o
sangue sujar. O autor não teve medo de encarar a página e arregaçar o coração
na sua frente. Então cai dentro, meu amigo, e lembre-se: só depois que o sangue
suja é que o poema limpa o coração e a mente.
Fernando Koproski
texto
de apresentação da antologia poética MALDITO DEUS ARRANCANDO ESSES POEMAS DE
MINHA CABEÇA (7letras), de Charles Bukowski
http://www.livrariascuritiba.com.br/maldito-deus-arrancando-esses-poemas-de-minha-cabeca-aut-paranaense-lv386681/p
http://www.livrariascuritiba.com.br/essa-loucura-roubada-que-nao-desejo-a-ninguem-a-nao-ser-a-mim-mesmo-amem-7-letras-lv314866/p
http://www.livrariascuritiba.com.br/amor-e-tudo-que-nos-dissemos-que-nao-era-autores-lv314864/p
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