Em homenagem ao dia dos veterinários que foi ontem, um texto
que escrevi anteanteanteontem... meus parabéns a todos os vets! e em especial,
à minha irmã Dra. Letícia Koproski!
ISTO NÃO É UM POEMA,
MAS DEPENDENDO DE QUEM LÊ, ATÉ PODE SER...
Hoje ele está mal, mas ele vai se recuperar. Sei que ele irá
se recuperar. Em 2009, ele estourou os ligamentos do joelho. Fez uma cirurgia
delicada onde inseriram uns 4 pinos em cima e embaixo da lesão, para recuperar
o movimento do joelho. A cirurgia correu bem, mas ele teve que ficar isolado
num espaço restrito de 2m2 durante um mês, e receber medicação e carinho e
cuidados especiais para recuperar a articulação.
Em outras palavras, como Mailon era muito brincalhão – praticamente
vivia saltitando e pulando alto – agora nessa fase pós-operatória seus
“pulinhos” deveriam ser vigiados, pois poderiam representar uma ameaça à sua
pronta-recuperação.
Pois bem, ele passou uns 40 dias com seus movimentos
restritos e acabou por se recuperar. Mas um dia depois de ser liberado pelos
veterinários, Mailon se exaltou. Talvez lembrando o velho propósito de proteger
a casa ou defender a sua dona, ele saltou diante de uma visita indesejada e
arrebentou os ligamentos novamente...
Levamos ele às pressas ao veterinário mas o veredito era
unânime: ele deveria fazer outra cirurgia, idêntica à anterior, ter o seu
espaço restrito e ser medicado de 8 em 8 horas, tudo de novo da mesma maneira.
Começamos a medicação, preparando-o para a cirurgia, até
que, depois de algumas semanas, um belo dia isso aconteceu: Ele parou de
mancar... a precisão de um novo raio X assegurou: o ligamento do joelho se
refez. O raio x era bom, bom o bastante para detectar o “milagre”. E ele não
precisou refazer aquela cirurgia.
4 felizes anos depois, Mailon começou a andar em círculos
obsessivamente, girando em sentido anti-horário sem parar. Era tanta volta que
nosso cão dava, que chegou várias vezes a ensanguentar as patinhas. As patas
sangravam mas ele continuava andando e girando em círculos viciosos.
Levamos ele aos atuais veterinários, e depois de uma extensa
bateria de exames se diagnosticou: CÂNCER no fígado. O tumor fazia com que o
fígado não funcionasse direito, acumulando toxinas no sangue de Mailon, que ao
ser bombeado para o cérebro, causava danos neurológicos visíveis.
Alguns dias depois, graças à exímia eficiência dos doutores
Rodrigo e Fernanda, a cirurgia correu bem. Mailon retirou 2 tumores malignos.
Durante o pós-operatório, enquanto esperávamos que ele melhorasse, notamos um
líquido róseo persistente saindo de sua barriga. Duas semanas depois de uma
pesada bateria de antibióticos, se notou que ele tinha sido atacado por uma
incomum infecção bacteriana. Estafilococos Aureus era o nome do vilão que
resistia aos antibióticos de amplo espectro e que rapidamente crescia dentro de
nosso cão.
E qual foi a recomendação? Administrar durante 3 ou 4
semanas um antibiótico raro, que tinha saído há tempos do mercado farmacêutico.
Dessa forma, ao longo de dias, passamos eu e Ingrid (a dona de Mailon) a
vasculhar todas as farmácias antigas de SJP e coletar estoques do remédio.
Depois de muita medicação, carinho e compreensão, ele estava
lá de novo. Mailon eliminou a temível bactéria e deixou de andar em círculos.
Parecia que dessa vez tudo estava bem e eu ousei suspirar “Deus, obrigado!”
para os céus. Mas o alívio ainda era só uma ideia no meio de tantos
medicamentos.
Do antigo buraco onde se fez a cirurgia, começou a se formar
uma bolinha do lado de fora da barriga de Mailon. No início era apenas uma bola
de gude de gordura, mas com o passar do tempo e apesar das várias tentativas
frustradas dos veterinários, a bolinha de gude virou bola de ping pong, que
virou bola de sinuca, que depois de semanas virou bola de futsal...
Nada parecia funcionar para interromper a rasgadura muscular
que ele tinha sofrido. Explico, os pontos internos da cirurgia abriram e passar
a rasgar não só a parte costurada como toda a musculatura que protegia os seus
órgãos internos de forma longitudinal e cruel, formando uma hérnia crescente.
Naturalmente, a proximidade de uma nova cirurgia não
preocupava apenas a sua dona, mas a todos da clínica, pois seria mais uma
agressão cirúrgica num cão debilitado de 15 anos de idade. Mesmo assim, fazendo
figa e rezando nós levamos ele para uma nova cirurgia, que foi
surpreendentemente bem-sucedida.
Pois bem, depois de uns 10 meses de combate, Mailon
sobreviveu e se recuperou. A sua dona não dorme uma noite inteira há quase um
ano. E mesmo assim, noite a noite, com olheiras, enxaquecas, fraquezas e diversas
quedas de pressão, ela esteve lá, ao lado dele, medicando-o, acariciando-o,
abraçando-o no meio das diversas noites em que os remédios fortes se revelavam
fracos.
Hoje ele está bem, voltou a tomar remédios ontem à noite
após uma queda acidental. Mas isso não há de ser nada, né Mailon? Você e a
Ingrid já passaram por muitas coisas piores. E não é agora que ela deixará de
cuidar de você, rezar por você, ou postar mensagens no facebook esperando
dividir com os amigos verdadeiros sua preocupação legítima. E tudo isso por
quê?
Porque isso é AMOR: puro, forte e imenso e que se expande em
várias direções. Muitas das quais nós às vezes nem entendemos, ou sequer
suspeitamos. Já outras nós intuímos. E outras, Ingrid, nós temos certeza.
O amor abre uma cratera por onde passa, escava a pele e a
carne, enquanto suas ondas de choque se propagam de forma luminosa e irreversível.
Acreditando nisso, nós combatemos o Câncer do Mailon, o
câncer da Afrodite (nossa gata e filha primogênita) recentemente, e dia a dia
estamos combatendo o câncer da minha sogra querida, a Margareth.
No mínimo por 3 vezes no último ano, eu presenciei o milagre
e nós vencemos o invencível. Nós pedimos a deus por 3 milagres e ele nos deu os
três. Ao teu lado, Ingrid, eu vi ele – o milagre – surgindo como um sol de
carne e sangue dourado, rasgando a noite e aos poucos diminuindo a nossa escuridão.
6 de agosto de 2013
Fernando Koproski
(pai do Mailon, Don Juan, Afrodite, Manuela, Angelina, e poeta
nas horas vagas...)