terça-feira, 28 de maio de 2013

ELES E NÓS

eles estavam todos na varanda
conversando:
Hemingway, Faulkner, T.S. Eliot,
Ezra Pound, Hamsun, Wally Stevens,
e. e. cummings e alguns outros.

“escuta,” minha mãe disse, “você não pode
pedir pra eles pararem de falar?”

“não,” eu disse.

“eles estão falando besteira,” disse meu
pai, “deviam é procurar
um trabalho”.

“eles têm trabalho,” eu
disse.

“o diabo que têm,” meu
pai disse.

“exatamente,” eu
disse.

nessa hora Faulkner entrou
cambaleando.
encontrou o uísque no
armário e saiu com
ele.

“uma pessoa horrível,”
disse minha mãe.

ela então se levantou e deu uma espiada
na varanda.

“eles têm uma mulher com eles,”
ela disse, “mas ela parece um
homem”.

“essa é a Gertrude,” eu
disse.

“há um outro mostrando o
muque,” ela disse, “ele diz
que pode com três deles
juntos”.

“esse é o Ernie,” eu disse.

“e ele,” meu pai apontou pra mim,
“quer ser como eles!”

“isso é verdade?” minha mãe perguntou.

“não como eles,” eu disse, “mas um
deles”.

“você vai é arranjar um trabalho,”
meu pai disse.

“cala a boca,” eu disse.

“o quê?”

“eu disse, ‘cala a boca,’ eu tô ouvindo
o que eles estão falando”.

meu pai olhou para a sua esposa:
“este não é meu
filho!”

“espero que não,” eu disse.

Faulkner entrou cambaleando na sala
de novo.

“onde é o telefone?” ele
perguntou.

“para quê, porra?” meu pai
perguntou.

“Ernie acaba de estourar os
miolos,” ele disse.

“viu só o que acontece com homens como
aquele?” meu pai gritou.

eu me levantei
devagar
e ajudei Bill a encontrar
o
telefone.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski
da antologia poética: ESSA LOUCURA ROUBADA QUE NÃO DESEJO A NINGUÉM A NÃO SER A MIM MESMO AMÉM (7 LETRAS)




quinta-feira, 25 de abril de 2013


CORCUNDA

momentos de agonia e momentos de glória
marcham sobre o telhado.

o gato passa
parecendo saber tudo.

minha sorte foi melhor, eu acho,
que a sorte dos gladíolos cortados,
embora não tenha certeza.

eu fui amado por muitas mulheres,
e para uma vida corcunda,
isso é uma sorte.

tantos dedos adentrando meus cabelos
tantos abraços apertados
tantos sapatos atirados sem cuidado no tapete do meu
quarto.

tantos corações em busca
agora tão nítidos em minha memória que
caminharei para a morte,
lembrando.

fui tratado melhor do que deveria
ser –
não pela vida em geral
nem pelo mecanismo das coisas
mas pelas mulheres.

mas houve mulheres
que me deixaram
plantado no quarto sozinho
encurvado –
com as mãos no saco –
pensando
por quê por quê por quê por quê por quê por quê?

mulheres vão para homens que são porcos
mulheres vão para homens com almas mortas
mulheres vão para homens que trepam pessimamente
mulheres vão para sombras de homens
mulheres vão
vão
porque precisam ir
pela ordem das
coisas.

as mulheres sabem mais
mas muitas vezes escolhem na
confusão e desordem.

elas podem curar com seu toque
elas podem matar o que tocam e
eu estou morrendo
mas não estou morto
ainda.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski

do livro
essa loucura roubada que não desejo a ninguém a não ser a mim mesmo amém (7 Letras)










terça-feira, 23 de abril de 2013


QUANDO DESPI SEU CORPO

Quando despi seu corpo
imaginei que as sombras desabaram ilusoriamente,
incitando memórias de rimas perfeitas.
Imaginei que pudesse guardar a beleza
como uma bênção e que a sua pele quase negra
respondesse à prece.
Imaginei que entendesse seu rosto
por o ter visto retratado duas vezes
ou uma centena de vezes, ou por o ter beijado
quando ele foi esculpido na rocha.

Com um suspiro apenas, um gesto distraído,
você despiu sombras
com mais destreza do que eu pudesse suportar,
e as proporções reais e violentas de seu corpo
tornaram obsoletos os velhos tratados de excelência,
medidas e poemas,
e gritaram, investidas de um só desafio de beleza
íntima,
o qual não pode ser interpretado ou cantado:
precisa ser encontrado.

poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
da antologia poética de Leonard Cohen:
ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR (7 LETRAS)
http://www.livrariascuritiba.com.br/atras-das-linhas-inimigas-de-meu-amor-aut-parana,product,LV220048,3406.aspx

sexta-feira, 12 de abril de 2013


A HISTÓRIA DE UM FILHO DA PUTA DURÃO

uma noite ele apareceu na porta molhado magro espancado e
aterrorizado
um gato branco vesgo e sem rabo
pus ele pra dentro e o alimentei e ele ficou
cresceu até pegar confiança em mim até que um amigo entrando na garagem
passou com o carro por cima dele
levei o que sobrou para o veterinário que disse, “sem muita
esperança... dê essas pílulas para ele... sua coluna
está esmagada, mas já foi esmagada antes e de alguma maneira
emendou, se ele viver nunca mais andará, veja
essas radiografias, ele foi baleado, olhe aqui, as balas
ainda estão lá... e mais, ele já teve um rabo um dia, alguém
o cortou fora...”

levei o gato de volta, era um verão bem quente, um dos mais
quentes das últimas décadas, pus ele no piso do
banheiro, dei água e pílulas para ele, ele não comia, ele
não tocava na água, mergulhei meu dedo nela
e molhei sua boca e falei com ele, eu não saí
dali, investi um bom tempo no banheiro e conversava com
ele e tocava nele com cuidado ao que ele me olhava
com aqueles olhos azul-claros vesgos e conforme os dias
passavam ele fez seu primeiro movimento
se arrastou com as patas dianteiras
(as traseiras não funcionavam)
ele conseguiu chegar à caixa de areia
se arrastou pra dentro,
foi como se o clarim de uma possível vitória
soprasse naquele banheiro e pela cidade afora, eu
me identifiquei com aquele gato – eu me dei mal, não tão
mal assim mas mal o bastante...

uma manhã ele se levantou, ficou de pé, caiu pra trás e
apenas olhou pra mim.

“você consegue,” eu disse pra ele.

ele continuou tentando, se levantando e caindo, finalmente
deu alguns passos, ele parecia um bêbado, as
patas traseiras não queriam funcionar mesmo e ele caiu de novo, descansou,

aí se levantou.

o resto você sabe: hoje ele está melhor do que nunca, vesgo,
quase sem dente, mas o encanto está de volta, e aquele olhar
nunca abandonou seus olhos...

e hoje às vezes sou entrevistado, eles querem saber sobre
a vida e a literatura e eu fico bêbado e levanto meu gato vesgo,
baleado, atropelado, de rabo arrancado e falo, “olha, olha
isso!”

mas eles não entendem, eles dizem algo do tipo, “você
disse que foi influenciado por Céline?”

“não,” eu levanto o gato, “pelo que acontece, por
coisas como essa, por isso, por isso!”

eu chacoalho o gato, levanto ele sob
a luz esfumaçada e bêbada, ele está tranquilo ele sabe...

é aí que as entrevistas acabam
embora eu fique com orgulho às vezes quando vejo as fotos
depois e lá estou eu e lá está o gato e nós somos
fotografados juntos.

ele também sabe que isso é besteira mas ajuda de alguma maneira.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski
da antologia poética AMOR É TUDO QUE NÓS DISSEMOS QUE NÃO ERA (7 Letras)

quarta-feira, 10 de abril de 2013


PARA WILF E SEU LAR

Quando criança os Cristãos me contaram
como alfinetamos Jesus
na madeira como uma linda borboleta,
e eu chorei diante de pinturas do Calvário
de chagas de veludo
e de delicados pés torcidos.

Mas ele não se sustentaria suave por muito tempo,
seus oponentes tão orgulhosos de seus clarins,
curvando as flores com sua mácula prateada,
e quando defrontei-me com a Arca para a contagem,
estremecendo debaixo dos óleos ardentes,
os campos da carne em movimento se tornaram amargos
e eu beijei meus nobres mestres,
preveni meus irmãos menores.

Entre os jovens e promissores
de grandes nações, os inocentes
do desejo entorpecido e da brilhante cruzada,
ali entre as cambalhotas e as guerras de castanha
eu poderia cantar minhas lágrimas pagãs,
adorar o santo distante
que alimentou com seu braço as moscas,
e lamentou pela formiga esmagada
desprezando as razões do calcanhar.

A ira e as lágrimas ficaram no caminho inicial.
Hoje cada qual em sua colina sagrada
os dias de dor e de fulgor estão quase no fim.
    Então vamos comparar mitologias.
Eu aprimorei a minha mentira principal
de cruzes sublimes e espinhos envenenados
e aprendi a forma com que meus pais o pregaram
feito um morcego sobre o portal
para receber o outono e os corvos tardios e famintos
como um falso e amarelado sinal.

poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
da antologia poética ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR (7 Letras)


quinta-feira, 4 de abril de 2013

Escrevi um texto FICCIONAL na forma de versos e narrativas ficcionais que compõem um monólogo poético e ficcional, escrito e criado por minha autoria, na qual dou voz ao personagem do poeta “Miro Klein” (nome provisório do personagem) por mim criado. Este personagem, fruto de meu trabalho de imaginação e criação ficcional, é SOLTEIRO e apresenta uma biografia em todo diferente da minha como autor. Portanto autor e personagem nada têm a ver, não se confundem, são pessoas em todo distintas.
Uma outra pessoa escreveu textos poéticos e ficcionais para dar voz ao seu personagem de uma "musa" qualquer (“uma musa sem um poeta”). Embora tais textos possam eventualmente funcionar para o leitor como um diálogo poético, declaro que ambos foram escritos de forma independente. Ou seja, todas as falas de meu personagem são exclusivamente de minha autoria, bem como todos os textos da personagem “musa” são da autoria dessa outra pessoa. Dito isso, fica bem esclarecido que não houve trabalho escrito em co-autoria, mas sim trabalhos independentes.
Quando se cria um trabalho de literatura, há o uso da capacidade imaginativa do autor. Nenhuma criação FICCIONAL implica em fatos verídicos, não necessita se basear na realidade, mas preferencialmente criar uma realidade alterada, construída através do ofício de escrever. De forma que declaro a quem interessar possa que não houve e nunca haverá relação alguma entre minha pessoa e essa outra pessoa. Seria ridículo e despropositado confundir personagens com autores. Acredito que isso é desnecessário dizer ao leitor inteligente, mas a fim de esclarecer quaisquer erros de interpretação afirmo: um autor é um autor, e personagens são só personagens. Ademais, sou um homem casado e bem resolvido, tanto no âmbito pessoal quanto no do profissional realizado que sou.
O que aconteceu de fato, em alguns momentos desse trabalho de criação FICCIONAL foi a troca de correspondências dos textos produzidos, como forma de experimento poético e FICCIONAL.
Contudo, aos olhos críticos, há muito que se melhorar e corrigir, e mesmo muitas benfeitorias a serem feitas no texto produzido.
Acredito que um trabalho apresentado conjuntamente com outro autor só é viável quando o "outro" sabe dos princípios éticos e fundamentais da escrita e da criação de um livro, visto que o trabalho de criação envolve não apenas trabalho de escrita, mas também sucessivas revisões, e eventuais e providenciais reescritas e melhorias no texto de forma a torná-lo o mais legível possível e apto a ser apreciado pelo leitor. É fato inconteste que de forma alguma um escritor pode se utilizar do texto de outro autor, em todo ou em partes, sem a sua prévia e expressa autorização.
Confesso que sou um autor perfeccionista, absolutamente dentro dos padrões profissionais da escrita. Acredito que um escritor de verdade não precisa se utilizar do nome de outro para se promover. Desejos de fama são fruto do velho e conhecido pecado da vaidade. Um escritor genuíno não precisa usar o nome de outro escritor conhecido para expor suas ideias. Ninguém é e nem deveria servir de "muleta" ou "escada" para o outro conseguir notoriedade. Acredito que cada um deva trabalhar com muita humildade para ter algum mérito nesse ofício tão desacreditado que é ser escritor nesse país.

Fernando Koproski

sábado, 30 de março de 2013


Canção


A menina nua em prantos
está pensando em meu nome
volvendo e revolvendo
meu nome em bronze
com os mil dedos
de seu corpo
untando seus ombros
com a fragrância lembrada
de minha pele

Oh sou o general
de sua história
conduzindo cavalos majestosos
pelos campos
vestindo trajes de ouro
com o vento em meu torso
o sol na barriga

Possam os pássaros suaves
suaves como uma estória para seus olhos
proteger seu rosto
de meus inimigos
e os pássaros impuros
cujas asas afiadas
foram forjadas em mares metálicos
guardem seu quarto
de meus assassinos

E que a noite a trate com cuidado
as estrelas altas sustentem a palidez
de sua pele descoberta

E possa meu nome em bronze
sempre alcançar seus mil dedos
iluminar-se com suas lágrimas
até que eu esteja fixado como uma galáxia
e memorizado
em seus céus delicados e secretos.

poema: Leonard Cohen
tradução: Fernando Koproski
do livro “ATRÁS DAS LINHAS INIMIGAS DE MEU AMOR” (7 Letras)



quinta-feira, 28 de março de 2013










SEM CHANCE DE AJUDA

há um lugar no coração que
nunca será preenchido

um espaço

e mesmo nos
melhores momentos
e
nos melhores
tempos

nós saberemos

nós saberemos
mais que
nunca

há um lugar no coração que
nunca será preenchido

e

nós iremos esperar
e
esperar

nesse
lugar.

poema: Charles Bukowski
tradução: Fernando Koproski

do livro
essa loucura roubada
que não desejo a ninguém
a não ser a mim mesmo
amém





terça-feira, 26 de março de 2013


vênus de velázquez
vênus que vem em luas
em nem
            pétalas de nuvens

vênus de rubens
vênus de uma beleza
a mais digna
que se possa pensar ou pretender

vênus de dalí
vênus que não guarda
esconder

uma a uma
vênus só veste
o que se fez sentir

um dia ainda, senhor
há de ser vênus
o que se deixa ver
em tudo que eu vivi

Fernando Koproski
do livro “Tudo que não sei sobre o amor”
http://www.livrariascuritiba.com.br/tudo-que-nao-sei-sobre-o-amor-travessa,product,LV181720,3394.aspx 


domingo, 24 de março de 2013


Azul é a primeira luz do amanhecer. É a cor que começa o dia. E também a cor que o termina. Assim, nesse tempo ou espaço de seu viver as cores nascem e morrem azuis.
Sim, azul é a cor de um poema. A cor, forma, duração, densidade, peso, dimensão, idade, função e sentido de um poema. Tudo isso e mais alguma coisa que os sistemas de medidas não aferem.
Mesmo assim, para muitos que se ocupam de estudar a anatomia de um poema, ele não é considerado. Por não ser facilmente detectado nas chapas de raio x, o azul é invariavelmente desprezado. E um desperdício de azul é indesculpável, é como deixar com sede os sentidos apenas por mesquinhez. Mas que não se condene a crítica, ela quase que não tem culpa. Em seus estudos de taxidermia, ela se habituou a dissecar asas, tentando inutilmente entender os procedimentos do vôo.
    Porque o azul de um poema é como um sistema propulsor de vôo para os pássaros e borboletas.

Fernando Koproski
do livro “Pétalas, pálpebras e pressas”
http://www.livrariascuritiba.com.br/petalas-palpebras-e-pressas-aut-paranaenses,product,LV220050,3394.aspx


sábado, 23 de março de 2013

MUSA EM DESUSO


nenhuma musa mais me usa
este seu mar não afoga mais
já não será imortal às minhas custas
de indecisa já chega a paz

o jeito que você passa
o jeito que veste a blusa
não irá me convencer
adeus sonetos monumentais
e tudo mais que em quartetos me acusa

com a solidão eu já posso
esta insone ilusão eu já faço adormecer
nenhum poeta a postos será
mais testemunha das suas escusas
e nem do seu dom de esquecer

poema: Fernando Koproski e Alexandre França
música: Alexandre França, gravada no disco “A solidão não mata, dá a ideia”